Tó Neves, 38 anos sobre rodas

29/07/11

Os primórdios na modalidade
Iniciou-se no Hóquei em Patins por mão do Senhor Mota, no ano da Revolução dos Cravos, em pleno ringue do Sport Clube de Rio Tinto, clube da terra onde nasceu (Rio Tinto, Gondomar), no dia 28 de Março de 1966. Sem antecedentes familiares na modalidade, Tó Neves sempre referiu que a prática desta modalidade surgiu para contrariar o pai, que foi jogador de Futebol. ‘’O meu pai e eu contrariávamo-nos mutuamente. Continuei no Hóquei em Patins para lhe mostrar que conseguia singrar na modalidade’’, disse ao Jornal Record. Assim foi, o menino de Rio Tinto cedo se transferia para o Futebol Clube do Porto, clube que inicialmente não queria representar, em virtude de achar que lá só jogavam ‘’meninos bonitos’’. ‘’Alguns papás levavam os meninos, lanchavam com os treinadores, havia algumas cunhas, e muitas vezes eu sentia que ficava para segundo plano. Por isso, quando actua pelos suplentes, não passava a bola, não queria marcar porque depois perdia a bola e, de baliza aberta, falhava. Fui posto fora várias vezes por rebeldia’’, disse ao jornal O Jogo. E de facto Tó Neves não teve um início fácil no Hóquei em Patins. Foi um ‘’titular no banco’’ como o próprio pai dizia, e só o seu empenho o levou a voos mais altos. Assim, o menino de Rio Tinto estava, época após época, a tornar-se num jogador de eleição, sempre com a camisola do Futebol Clube do Porto.


 

O primeiro europeu pelas selecções jovens
A dar cartas no Futebol Clube do Porto, Tó Neves é convocado pela primeira vez para uma grande competição internacional em 1982 (com 16 anos), para disputar o europeu de juvenis em Zandaam (Holanda), conquistado pela selecção das quinas.

Década de ‘90
Três anos mais tarde surge o ano da confirmação de mais um prodígio do Hóquei nacional, um dos pilares da geração de ouro da década de ’90. 1985, Tó Neves vence o europeu de juniores em Palma de Maiorca, conquista o campeonato nacional da 1ª divisão na segunda época como sénior no Futebol Clube do Porto (com o ordenado de 17.500 escudos), vencendo também a primeira Taça dos Campeões Europeus para o clube nortenho. Em 1988 torna-se tri-campeão nacional e no ano seguinte estreia-se pela selecção nacional ‘’A’’ portuguesa, no mundial de San Juan e nos Jogos mundiais. Portugal é vice-campeão mundial e vence os Jogos mundiais. Com o terceiro lugar no europeu de Lodi em 1990, Tó Neves inicia uma das suas imagens de marca no que concerne aos títulos colectivos, habitualmente, se vence pelo clube, não vence pela selecção e vice-versa. Em 1991 está no apogeu da sua carreira desportiva. Um dos poucos anos em que venceu pelo seu clube e pela selecção. Torna-se campeão do Mundo pela primeira vez (no pavilhão Rosa Mota no Porto perante a presença do Presidente da República, Mário Soares) e tri-campeão nacional pela segunda vez. Pelo meio, o segundo título europeu pelo Futebol Clube do Porto em 1989/1990. Em 1992 muda de ares. Após o fiasco dos Jogos Olímpicos (Portugal termina na quarta posição, considerado por Tó Neves como uma das maiores desilusões da sua carreira) e com o Futebol Clube do Porto a atravessar uma mudança de ciclo (abandono de jogadores como Franklim Pais, Alves, Vítor Hugo e Vítor Bruno), Tó Neves decide mudar-se aos 26 anos de idade para o rival Benfica, onde permanece por uma época. ‘’Se pudesse voltar atrás nunca teria ido para o Benfica. Não fui bem recebido. Havia ciumeira pelo meu ordenado e havia muitas estrelas no balneário. Não havia cumplicidade nem amizade. Um dia pedi boleia para casa e o meu colega não me a deu porque disse que ia pela via rápida’’, referiu ao jornal O Jogo. Na época seguinte o internacional português volta ao Futebol Clube do Porto, recebendo metade do salário que auferia no clube da águia. Contudo o seu regresso não foi tão feliz como a sua estreia pelos azuis e brancos, e só a selecção lhe trazia títulos. Quatro europeus consecutivos (1992 Wuppertal, 1994 Funchal, 1996 Salsomaggiore e 1998 Paços de Ferreira) e mais um campeonato do Mundo (1993, Milão). Em 1995 (ano em que é convidado para se tornar treinador e deixar a carreira de jogador, que não aceitou) e 1997 não vai além de dois terceiros lugares nos mundiais do Recife e de Wuppertal. No Porto, integra a comitiva que em 1998 é atacada em pleno estádio da Luz após um encontro com o rival Benfica. ‘’Foi o único momento em que tive medo na vida. Nunca fui maltratado em Lisboa, mas não me sinto bem lá’’, referiu. Também foi acusado de consumir doping após um Barcelos VS Porto em que lhe foi detectada uma substância dopante, contudo, não passou de uma substância consumida inocentemente e que provocou a detecção de substâncias ilícitas. Só em 98/99 volta a tornar-se campeão, sob a égide de António Livramento que viria a falecer tragicamente após a conquista do título. Na altura do seu falecimento, Tó Neves disputava o Mundial de Réus, onde Portugal não passou do bronze.

 

 


O tema renovação irrompe-se na carreira desportiva
Em 2000 surge a reviravolta na selecção nacional. Após se sagrar bi-campeão nacional em 2000, é vice-campeão europeu em Wimmis (Suíça), tendo a selecção espanhola terminado aqui com o domínio português na modalidade. A partir de então a palavra renovação é tema de ordem na equipa das quinas, algo que viria a afectar o mítico avançado portista. Em 2001 Portugal volta a ser terceiro no Mundial de San Juan e em 2002 é de novo derrotado pela Espanha, no final do Europeu de Florença, a última grande competição de Tó Neves pela selecção nacional. Chegava assim ao fim uma das carreiras mais longas pela selecção nacional. Tó Neves representou a selecção nacional sénior durante 13 anos consecutivos, sendo apenas ultrapassado por António Ramalhete (15 anos) e António Livramento (17 anos) e igualado por Paulo Almeida, Cristiano Pereira e Pedro Alves. Tó Neves lamenta a forma como deixou a selecção, ‘’fomos abandonados pela Federação não devido à competência mas sim ao Bilhete de Identidade’’. Apesar do pesadelo na selecção, em que não consegue títulos nos últimos quatro anos da sua representação, faz parte do plantel que iniciou uma década de ouro no Futebol Clube do Porto. Em 2001/2002 (ano que António Livramento tinha apontado como o último na carreira de Tó Neves, o que não se veio a concretizar) a turma azul e branca não inicia o campeonato da melhor maneira, até que Franklim Pais substitui Mario Aguero no comando da equipa e numa recuperação espectacular os azuis e brancos tornam-se campeões nacionais, quando tal como na selecção, o tema renovação era frequente relativamente ao balneário do Futebol Clube do Porto. Mais uma vez, tal como na selecção, Tó Neves não foge à renovação dita natural e é dispensado do Futebol Clube do Porto, já com mais um tri-campeonato no seu palmarés (2001/2002, 2002/2003 e 2003/2004). Tem a mesma ideia que tinha na hora da despedida da selecção, os dirigentes dispensaram-no cedo demais e Tó achava que tinha capacidades para continuar a demonstrar o seu valor. Uma carreira jogada por inteiro em Portugal, ‘’o país com o melhor Hóquei do Mundo’’, diz. Afirma que no estrangeiro só aceitaria o Barça, clube que nunca representou pois o seu feitio ‘’chocava com o do treinador da turma catalã da altura, Carlos Figueroa’’. 

Oliveirense no horizonte e fim da carreira 
Muda-se para a Oliveirense, onde se torna treinador-jogador após duas épocas dedicadas única exclusivamente aos golos em Oliveira de Azeméis. Apesar de preferir ser jogador a treinador, dá-se bem ao leme dos aveirenses, com participações honrosas na final a quatro de uma Liga dos Campeões e da Taça CERS, termina a sua tarefa de treinador-jogador em grande, com a conquista da Taça de Portugal 2011, no Pavilhão Municipal de Coimbra, frente ao Candelária. ‘’Sinto-me fisicamente apto para mais uma temporada, mas provavelmente já não iria ser tão influente para a equipa como queria’’, disse em entrevista ao jornal O Jogo. Com a presença do Sr. Mota (homem que ensinou Tó Neves a patinar, estando presente no primeiro e no último jogo do atleta), a Oliveirense venceu a final da Taça de Portugal por 5-2. Tó Neves marcou um livre directo no último minuto mas não concretizou com sucesso perante João Miguel. O final da carreira foi uma decisão nem sempre apoiada pela família, ‘’as minhas filhas gostam de me ver jogar. A mais velha acompanha muito o Hóquei e entra nas conversas de quem sai e entra na equipa’’, disse ao jornal O Jogo. Duas semanas antes da final a quatro da Taça de Portugal, havia-se despedido do Campeonato Nacional da Primeira Divisão – competição que disputou por 27 anos consecutivos – no ringue do Futebol Clube do Porto, o clube do seu coração, e que treinará na próxima temporada. Com 17 golos marcados na fase regular da primeira divisão em 2008/2009, 26 também na primeira divisão no ano seguinte e 20 nesta sua última temporada, marcou o último golo da sua carreira num encontro que o próprio já havia previsto como o último da sua longa carreira no campeonato nacional da primeira divisão, ‘’o clique deu-se quando vi o sorteio do campeonato e me detive no último jogo: FC Porto VS Oliveirense. São os dois clubes que mais me marcaram e pensei que era o momento-chave para terminar a minha carreira’’, disse ao jornal O Jogo. Terminou assim a carreira de uma das vacas sagradas do Hóquei mundial, uma daquelas lendas amadas e odiadas pelo Mundo fora, um avançado que fez do seu instinto matador a sua principal arma. ‘’Há quase dez anos que pensava neste assunto. Este ano, assim que vi o calendário e um Porto VS Oliveirense na última jornada do campeonato, não hesitei. Ainda tinha capacidades físicas para jogar mais uma época mas talvez não a jogasse como queria’’, disse ao jornal O Jogo. Dedicado, cuidado, apaixonado pela modalidade, foi também um dos maiores críticos de arbitragem dentro e fora de ringue, tornando as suas declarações polémicas em imensas circunstâncias. ‘’A ideia que têm de mim fui eu que a cultivei. Sou pouco simpático. Os adeptos da minha equipa gostam de mim mas os outros adeptos não. Sempre foi assim e fui marcado por esta minha forma de ser, mas não estou arrependido’’ disse ao jornal desportivo O Jogo. Admirador de Michael Jordan e João Moutinho (com quem se identifica ao nível desportivo), António José Pedroso Silva Neves marcou uma geração e uma modalidade, quer pelo nível competitivo quer pelo seu crer e longevidade, diz o mesmo que essa longevidade deve-se à paixão pelo Hóquei e a uma série de pessoas que nunca deixa de mencionar sempre que lhe é dada a oportunidade de agradecer a alguém. Cristiano Pereira (um dos melhores jogadores que já viu jogar e um dos seus treinadores na selecção e no Futebol Clube do Porto), António Livramento (‘’o génio’’), Ilídio Pinto (o seu dirigente de eleição), José Fernandes (seu treinador nas camadas jovens), Senhor Mota (quem lhe ensinou a patinar), António Valente, Aníbal Valente, António Sousa, João Araújo, Pedro Lopes (estes cinco que fizeram parte da sua equipa técnica na Oliveirense) e por fim a sua mulher Manuela. Termina com quatro europeus, dois mundiais, um jogos mundiais, duas Ligas dos Campeões, dez campeonatos nacionais, oito taças de Portugal e três Supertaças, faltando apenas no currículo os Jogos Olímpicos, a Taça Ibérica, a Taça Intercontinental e a Taça CERS. O fim de um ciclo para Tó Neves, que terá agora a difícil tarefa de levar o Futebol Clube do Porto aos triunfos.