Livramento, 12 anos de saudade (07/06/11)

 

Nasceu em São Mansos (Évora), no dia 28 de Fevereiro de 1943, aquele de quem diziam que o stick era a continuação dos braços, tinha de nome António José Parreira do Livramento.

 

ELE ERA O ARTISTA, Cristiano Pereira (dia do funeral)

 

Nascido no distrito de Évora, bem cedo se mudou para Lisboa (mais propriamente para Benfica), começou por jogar Futebol (a sua paixão na adolescência) no Venda Nova (perto de Benfica) na posição de avançado, sendo considerado um avançado de nível mediano, marcava apenas alguns golos. A certa altura, um treinador de Hóquei em Patins do Futebol Benfica, de nome Torcato Ferreira, achou que o ‘’miúdo’’ teria muito jeito para jogar Hóquei em Patins, tendo-o convidado para aparecer no rinque do Fofo, Livramento recusa mas perante a insistência de Torcato decide experimentar, e a partir daí o futebol passa para segundo plano. Livramento teve uma aprendizagem inicial dos 10 aos 15 anos, onde segundo o próprio, passava sem qualquer tipo de exagero, 8 horas com uns patins nos pés. Para surpresa do próprio, descobriu que era realmente bom, foi então que Torcato Ferreira o levou para o SL Benfica, numa operação algo complicada, tinha o gênio 16 anos. 


LIVRAMENTO, O SENHOR DO HÓQUEI, Jornal A Bola (dia após a sua morte) 

E é em 1959 que o artista disponta verdadeiramente para o hóquei, a jogar no SL Benfica é chamado pela primeira vez a uma selecção nacional, neste caso a selecção nacional de juniores, liderada por António Raio, estréia-se na competição auspiciosamente frente à selecção da casa - a Bélgica – onde marca 3 golos na vitória por 5-1. Vence o prémio de melhor jogador e melhor marcador do torneio e mais que isso, ganha o seu primeiro título, o campeonato da Europa de juniores. No ano seguinte vence o campeonato nacional já pelos seniores do Benfica, é então que surge a primeira convocatória para a selecção A portuguesa, para disputar o Campeonato da Europa de 1961. 

MORREU O PELÉ DO HÓQUEI EM PATINS, France Express (Dia da sua morte)

No europeu marca 17 golos e forma com Fernando Adrião uma dupla imbatível no ataque, dupla essa que no ano seguinte volta a fazer estragos, no Mundial de Santiago do Chile. Neste Mundial, António Livramento faz frente à Argentina um dos golos mais conhecidos em todo o Mundo, estando atrás da sua baliza, parte até à baliza adversária passando por todos os argentinos e finaliza com o golo, levando o público ao total delírio, Livramento, emocionado, pede para sair. Foi o seu primeiro Mundial conquistado.

LIVRAMENTO É MAIS CONHECIDO QUE O PRÓPRIO HÓQUEI, Vítor Hugo

Em 1963, torna-se pela segunda vez campeão europeu, e em 1965 repete o feito, marcando nesta competição 7, dos 17 golos marcados por Portugal à Bélgica. Em 1966 volta a vencer um campeonato nacional pelo Benfica, feito que volta a repetir em 1967 e 1968. Nestes mesmos anos torna-se campeão europeu pela 4ª vez consecutiva (’67) e campeão do Mundo pela 2ª vez, no Porto (’68), onde marca 42 golos em 9 jogos, quase metade dos da selecção das quinas (92). Por três vezes (Japão, Nova Zelândia e Suíça) marca 10 golos num só jogo. Em 1969 torna-se pela 5ª vez campeão nacional sênior pelo SL Benfica, as suas fantásticas exibições valeram-lhe a transferência para o Candy Monza de Itália (1970). 

NÃO SERÁ ANTES PELÉ O LIVRAMENTO DO FUTEBOL?, Moniz Pereira

 

Esteve um ano em Itália, a sua não convocação para o Europeu de 1971 (que Portugal venceu) fez com que Livramento volta-se a Portugal, para jogar novamente no SL Benfica, onde conquistou mais dois campeonatos pelos encarnados (1972 e 1974), terminou aqui a sua ligação com o SL Benfica, tendo conquistado no total 7 campeonatos nacionais de seniores na sua longa passagem pelo clube da Luz. Na selecção nacional conquista o europeu de 1973 e o Mundial de Lisboa de ’74. 


ANTÓNIO LIVRAMENTO FOI DE FACTO O MELHOR JOGADOR, PATINADOR EXÍMIO. ERA UM HOMEM COM UM DOMÍNIO TÉCNICO NOTÁVEL, ERA UMA PESSOA CRITATIVA, TINHA GARRA!, Júlio Rendeiro

A seguir ao Mundial de Lisboa ingressa no clube onde trabalhava como bancário, o Banco Pinto & Sotto Mayor, aí venceu o campeonato nacional da 2ª divisão num dos 2 anos que lá esteve. Depois de ter vencido mais um europeu (’75) Livramento foi jogar para o clube do seu coração, o Sporting Clube de Portugal, graças a Torcato Ferreira, técnico sportinguista na altura. 

A SUA IRREVERÊNCIA FOI UM PONTO DE REFERÊNCIA PARA OS MAIS NOVOS, Gabriel Alves

 

No Sporting, António Livramento integrava-se numa equipa de sonho, composta por: Ramalhete, Paiva, Carmelino, Sobrinho, Garrido, Rendeiro, Jorge, Carlos Alberto, Chana e o próprio Livramento. Com o Sporting venceu 2 campeonatos nacionais (’77 e ’78), uma Taça de Portugal (’77) e uma Taça dos Campeões Europeus (’77). Pela selecção nacional Livramento conquista o último título em 1977, vencendo o Europeu, o génio termina o torneio da pior forma, frente à Espanha, envolvendo-se com o espanhol Ortega em agressões mútuas quase no final da partida, terminando o jogo com invasão de campo. No final Livramento declarou não mais jogaria pela selecção das quinas e que a sua saída não afectaria a selecção portuguesa. Mas a verdadeira despedida surgiu no Mundial de San Juan, em 1978, Livramento é aplaudido de pé por 16.000 pessoas, terminando assim a sua prestação na selecção nacional. Foram 17 anos de quinas ao peito, tendo feito 209 jogos e marcado 425 golos.

 

 

FOI O GRANDE AMOR DA MINHA VIDA, António Livramento acerca do Hóquei em Patins 

Volta a Itália, pela 2ª vez, para actuar no Amatori Lodi e no Hockey Novara (78/79), mais uma vez não foi feliz, e regressa a Alvalade para fazer a sua última época dentro dos rinques (79/80). 

TODAS AS QUALIDADES DE UM GRANDE TREINADOR, António Ramalhete

Terminou assim a carreira dum jogador muito supersticioso - quando o jogo lhe corria bem, voltava a equipar-se da mesma maneira, repetindo os mesmos passos no jogo seguinte – e muito fumador – a ponto de nos estágios da selecção dividir o quarto com o massagista para não fumar. Em 21 anos de patins calçados ao mais alto nível, o artista fez mais de 1700 jogos e marcou cerca de 3500 golos! Sempre muito frontal, confessou um dia o porquê da sua gloriosa carreira: Jogava contra o Sporting, Benfica ou selecção espanhola com a mesma alegria e com o mesmo empenho que contra o Estremoz, talvez resida nesse pormenor a grande parte do êxito da minha carreira. 

O ANTÓNIO NESTE MUNDIAL FOI A FIGURA, Jorge Vicente acerca do Mundial ‘74

 

Mas a sua carreira no Hóquei em Patins não se fica por aqui, António Livramento agarra a carreira de treinador logo no ano seguinte, e pleno de sucesso, leva o Sporting à conquista da Taça das Taças logo na sua primeira época ao comando dos verdes e brancos, um ano depois torna-se o seleccionador nacional a par de Júlio Rendeiro, os dois levam a selecção das quinas ao primeiro lugar no Mundial ’82, disputado em Lisboa e Barcelos, com o Sporting conquista o Campeonato Nacional (no mesmo ano), não se ficando por aqui, conquista em 1984 a Taça CERS e a Taça de Portugal ainda com o seu Sporting. Ruma então a Itália para treinar o Bassano onde alinhavam Fana e Luís Nunes.

 

NUNCA VI UM JOGADOR DE HÓQUEI EM PATINS COMO ELE, Júlio Rendeiro

 

No Bassano, e tal como quando era jogador, não foi feliz, esteve 3 vezes em Itália (duas vezes como jogador e uma como treinador) e nenhum título conquistou. Regressou ao Sporting em 1986 e 2 anos depois vence o Campeonato Nacional com os leões. 

FOI O Nº1 DAQUELES QUE TIVE OCASIÃO DE VER JOGAR, Cristiano Pereira

Viviam-se tempos em que a nossa selecção nacional nada vencia, inclusive perdendo um europeu (1985) em Barcelos, Livramento (então seleccionador nacional) defendia que Portugal não estava em crise, os outros países é que haviam evoluído. Dois anos passados, António Livramento tirou Portugal das desilusões, vence o Europeu de 1987 em Oviedo e dois anos depois vence os Jogos Mundiais de Karlsruhe (Alemanha), em 1990 deixa a selecção nacional depois de 8 anos ao seu comando, dois anos depois regressa para conquistar 2 Europeus (‘92 e ‘94) e um Mundial (’93). 

PARA O ANTÓNIO NÃO HAVIA LIMITES, Chana

Após a passagem pelo HC Turquel, António Livramento agarra um novo e aliciante projecto (em 1998), treinar o FC Porto, que estava à 7 anos sem vencer um Campeonato Nacional. Não podia ter um começo melhor o seu novo projecto, na primeira época conquista campeonato e taça de Portugal, perdendo a final da Liga dos Campeões nas grandes penalidades.

INFELIZMENTE O ANTÓNIO FOI-SE EMBORA CEDO DEMAIS, Jorge Vicente

Era um treinador rigoroso, que pedia disciplina e tinha uma capacidade de motivar os jogadores impressionante, implantava um jogo agressivo, ao bom estilo italiano, de procura constante da bola, aliada ao tecnicismo português que tornava as suas equipas infalíveis. Para um dos preparadores físicos da Selecção Nacional no tempo de Livramento, Luís Gouveia, ''foi o único treinador que já vi até hoje chegar aos treinos sem ter nada programado e fazer dos mesmos treinos os mais fabulosos a que já alguma vez assisti''. ''Nenhum treinador será capaz de fazer treinos de qualidade sem programação dos mesmos, apenas ele o conseguia fazer''. disse já no ano de 2010. 

ANTÓNIO ERA UM DOS MEUS ÍDOLOS, Chana

 

Após os festejos da conquista do Campeonato Nacional pelo FC Porto, alguns jogadores seguiram para o Mundial de Réus ’99, outros entraram de férias, Livramento encontrava-se também de férias - no Algarve - quando na tarde do dia 4 de Junho de 1999, António Livramento sente-se mal disposto, e nessa mesma noite sofre um AVC (Acidente Vascular Cerebral), no dia seguinte é encontrado por Fernando Cabrita (sogro de Livramento e treinador de futebol) no chão, nu, com a toalha perto de si, a espumar pela boca e de olhos vidrados. Transportado para o Hospital de Faro, dá entrada ás 19.30h e só depois é transferido para Lisboa, morre na noite de 7 de Junho no hospital de S. José, deixando a sua mulher Regina Cabrita Livramento. 

MANIFESTAÇÃO DE SAUDADE, Cristiano Pereira (no dia do funeral)

Estávamos em pleno Mundial, muitos jogadores que tinham acabado de ser campeões com o mago do hóquei disputavam a primeira fase do torneio, dos seleccionados de Jorge Vicente, apenas 4 nunca tinham sido treinados por Livramento, a consternação era evidente, muitos jogadores não contiveram as lágrimas, a tarde seguinte à notícia da morte do mago, foi de vitória sobre Moçambique mas, ao mesmo tempo, de luto, todos os jogadores jogaram com uma braçadeira preta assim como a bandeira portuguesa, que tinha uma fita preta. Antes do início do jogo com os africanos, fez-se um minuto de silêncio com todas as selecções presentes no pavilhão. Mas não foi só no hóquei que as reacções se fizeram sentir, o treinador de futebol Fernando Santos e o ex-atleta olímpico Carlos Lopes, não contiveram as lágrimas ao saber da triste notícia. Vários telegramas de condulências chegaram às Antas (Igualada, Real Madrid, Óquei de Barcelos, Juventude Salesiana, entre outros), as bandeiras nacionais e foram colocadas a meia aste assim como as bandeiras de Sporting, Porto e Benfica. 

ERA AINDA MUITO PEQUENO QUANDO LIVRAMENTO FAZIA AQUELAS JOGADAS DE SONHO, ELE ERA UM GÉNIO, Paulo Baptista (no dia do funeral)

No dia do funeral, cerca de 1.000 pessoas acompanharam o mago, na manhã de quarta feira, o seu caixão estava tapado por uma bandeira do Sporting (a pedido do próprio) e outra de Federação Portuguesa de Patinagem, entre a multidão estavam nomes como Fernando Santos, Jorge Nuno Pinto da Costa, José Magalhães, Alberto Babo, António Chambell, Chana, António Ramalhete, Jesus Correia, Nenê, José Torres, Picas, Moniz Pereira, João Rocha, Maurício do Vale, Carlos Sena ou José Manuel Antunes. Terminada a missa de corpo presente o funeral prosseguiu pelas ruas de Benfica onde o trânsito parou para que o mago passasse, o carro que transportava o corpo pára em frente à casa de Tói (como os amigos mais chegados lhe chamavam), na chegada ao cemitério, uma salva de palma ensurdecedora comandada pelos corações dos presentes fez-se sentir, às 11.38h o caixão de Livramento ocupa o talhão nº 11.705, quando se ouve apenas uma voz, gritando: ‘’está o meu filho no caixão...’’. 

AQUILO QUE ELE ‘’RESPIRAVA’’ DE HÓQUEI FOI DECISIVO NA MINHA DECISÃO DE ME TORNAR EU PRÓPRIO TREINADOR, Paulo Baptista 

Reacções à sua morte 
CARLOS LOPES ''Sinceramente, não me apetece dizer nada numa altura como esta. Tudo o que o Livramento fez por Portugal torna dispensável qualquer comentário. Um homem que escreveu tantas páginas bonitas do desporto no nosso país só pode merecer uma homenagem destas''

 

CRISTIANO PEREIRA ''Serve sobretudo de exemplo para todos os jovens deste país. Toda a gente sabe o que ele foi, pelo que são desnecessárias muito mais palavras.'' 

PINTO DA COSTA "É uma tristeza desaparecer assim um desportista desta envergadura. Foi uma figura marcante do hóquei patins nacional e mundial e é com muito pesar que sentimos este momento. Resta apenas a consolação de ter morrido campeão. Deveria ter sido assim, era justo que assim fosse, mas apenas daqui a muitos anos." 

CARLOS LOPES "Nem quero acreditar na morte de António Livramento. As últimas notícias diziam que ele estava a melhorar e apanhar a notícia a frio é chocante e dá para pensar muito na vida. Afinal, a nossa vida é muito curta e tudo isto dá para meditar. A alta competição é desgastante."

 

CARLOS SENA "Recebi a notícia com grande tristeza. Privei com ele no Sporting e na selecção durante muitos anos. Estava confiante que iria superar este infortúnio, mas temos que enaltecer tudo o que deu à modalidade. Era conhecido em todos os cantos do Mundo." 

ANTÓNIO RAMALHETE "Foi um choque muito grande. Tínhamos uma amizade de trinta e cinco anos e estou bastante emocionado. Era uma coisa que de maneira nenhuma me poderia passar pela cabeça. Aquilo que poderia dizer para enaltecer o Livramento já foi dito por tanta gente. Foi o melhor jogador mundial de todos os tempos e como treinador venceu tudo o que tinha a vencer. É realmente uma perda, não só para os amigos e familiares mas para todo o povo português." 

CHANA "Estou triste, pois é a perda de um grande amigo. Além de um grande jogador foi sempre o meu ídolo desde a infância. É uma perda muito grande para a família hoquista. Aproveito para endereçar os meus sinceros sentimentos à família." MONIZ PEREIRA "Quando o Livramento esteve no Sporting, eu era apenas treinador de atletismo e não tinha qualquer cargo como dirigente. Não tivemos muitos contactos, mas a sua passagem por Alvalade foi marcante. Foi muito acarinhado e teve sucesso. Foi um dos melhores jogadores de sempre" 

JOSÉ MANUEL ANTUNES "É uma grande perda. Faz parte do meu imaginário desportista e benfiquista e muitas vezes vibrei com ele, pois era um jogador genial. Fico feliz por ele ter sido campeão no seu último ano como desportista, pois foi um campeão toda a vida. Seguramente vai ser alvo de homenagem por parte do Benfica, pois enquanto atleta foi um símbolo do clube."

 

CRISTIANO PEREIRA "É uma situação inesperada, que infelizmente vitimou uma figura ímpar da modalidade quer no nosso país quer internacionalmente. Numa situação desportiva igual a tantas outras vividas por António Livramento a sorte foi-lhe madrasta numa altura em que ainda havia muito a esperar do seu talento e competência. Uma forte machadada para todos aqueles que tiveram a felicidade de lidar de perto com ele." 

CARLOS DANTAS "A morte não tem explicação. Hoje de manhã diziam-me com satisfação que havia melhorias e agora surge esta notícia... Na vida de um treinador a tensão é muito grande e o António era uma pessoa que vivia com muita intensidade o hóquei em patins. Foi um dos maiores atletas mundiais e era um excelente técnico. É uma perda irreparável. Estou muito triste."

 

REINALDO TELES "É uma perda irreparável para o desporto nacional. Foi um desportista que marcou o hóquei português e mundial. Nas Antas, conseguiu ser campeão absorvendo a mística do clube e soube cativar a admiração de todos" 

O SEU NOME VAI FICAR PARA SEMPRE ENDEUSADO, Jornal Record (dias após a sua morte)

Mais tarde, a título póstumo foi condecorado com a medalha da Ordem do Infante D. Henrique e deu nome ao museu da Federação Portuguesa de Patinagem. O melhor hoquista do Mundo pareceu partir com alguma amargura em relação ao seu desporto favorito, mas ninguém esquece a magia dos seus gestos com o stick e da enroladinha, arte maior somente ao alcance dos grandes mestres, e que o ‘’poeta dos rinques’’ o fazia.

CURRÍCULO 
Como Jogador:

9 Campeonatos Nacionais da 1ª Divisão

1 Campeonato Nacional da 2ª Divisão

1 Taça de Portugal

1 Taça dos Campeões Europeus

6 Campeonatos da Europa 
3 Campeonatos do Mundo

 

Como Treinador:

3 Campeonatos Nacionais da 1ª Divisão

2 Taças de Portugal

1 Taça das Taças

1 Taça CERS 
3 Campeonatos da Europa

2 Campeonatos do Mundo

 

Aqui ficam também as entrevistas feitas a 5 jogadores que conviveram de perto com o gênio, feitas em 2000, por ocasião do aniversário da sua morte: 

ANTÓNIO RAMALHETE 
Em relação a Livramento no Campeonato e fora desse Campeonato (Mundial '74), antes e depois… 
António Ramalhete: O Livramento jogou comigo no Benfica desde os juniores, e depois é claro houve períodos em que ele estava em Itália e não jogou comigo. Não disputou o Campeonato da Europa em 71 porque o seleccionador, Armando Ribeiro, achou que os jogadores que estavam no estrangeiro não tinham que representar a Selecção Nacional, e o António Livramento acabou por ver o Campeoanto - que também foi realizado no Pavilhão dos Desportos - na bancada. O seleccionador foi muito contestado por não tê-lo incluído nessa Selecção. O Livramento, digamos, que me acompanhou e eu acompanhei-o durante toda a nossa vida desportiva, toda a nossa vida como jogadores, até deixarmos de jogar. Ele já que era 4 anos mais velho do que eu, enveredou pela carreira de treinador mais cedo e, portanto, acabou ainda por ser meu treinador durante 4 anos. Foram muitos anos ligados em termos desportivos e em termos de amizade. 

Um episódio curioso que tenha passado com António Livramento…
António Ramalhete: Os episódios eram sempre episódios de brincadeira, mas há episódios interessantes. Nós normalmente íamos muito a Selecções do Resto do Mundo. Dos jogadores que mais eram convidados a este tipo de Selecções era o Livramento e eu, por vezes também o Cristiano, outras vezes o Chana, muitas vezes o Adrião, mas por norma os dois seguíamos sempre, e numa dessas saídas para uma Selecção do Resto do Mundo, na Argentina, nós fizémos um voo, eu, o Cristiano e o Livramento. Nessa viagem o destino era Lisboa, Madrid, Buenos Aires e San Juan. O jogo era em San Juan e viajávamos na Iberia. Entretanto, nesse período, tinham caído dois aviões da Varig, dois DC-10, enquanto que a Iberia tinha os Boieng 747, portanto viajávamos em Boieng. No regresso, depois do jogo que fizémos em San Juan, o Livramento lembrou-se de que seria interessante nós viajarmos num DC-10, já que se caíam os DC-10, íamos experimentar para ver se também caía o DC-10 em que nós viajássemos. O que é que nós fizémos? Fomos à agência de viagens e transferimos o voo: em vez de viajarmos San Juan/Buenos Aires/Madrid/Lisboa, viajámos San Juan/Buenos Aires/Rio de Janeiro/Lisboa, para que do Rio de Janeiro para Lisboa regressássemos num DC-10 da Varig, e assim aconteceu, (a rir) o avião não caíu, acabámos por chegar sãos e salvos. Esta foi uma daquelas ideias e brincadeiras que o Livramento tinha. A queda dos DC-10 acabou por servir de pretexto para irmos até ao Rio de Janeiro. 

Como foi ser treinado por António Livramento?
António Ramalhete: Em termos de ser treinado pelo António Livramento era a mesma coisa que ser colega de equipa do António Livramento. Nunca dei muito pelos treinadores, nunca senti muito a influência que o treinador tinha sobre o jogador, nunca fui um jogador influenciável, era um jogador que por norma os treinadores não diziam nada, e portanto não era influenciável por qualquer treinador, inclusivé os treinadores procuravam tirar de mim alguma influência para que fosse eu também a contribuir e a dar algum estímulo a todos os outros jogadores. Portanto, digamos que éramos mais colegas do que propriamente treinador e jogador. Se me perguntar como o considerava como treinador, posso dizer que ele tinha todas as qualidades para ser um grande treinador, assim como foi. 

Como comentador de hóquei em patins na tv, nos jogos com o FC Porto, criticou alguma vez Livramento?
António Ramalhete: Nalgumas situações sim, mas a maior parte das vezes o Porto, inclusive na parte final, superiorizou-se grandemente em relação a todas as outras formações. Digamos que a crítica inicial foi em relação ao período de adaptação dos jogadores aos métodos de António Livramento. 

CHANA

Sobre António Livramento… 
Chana: É fácil falar do António e penso que é ao mesmo tempo difícil falar do António. O António foi um jogador que me marcou, porque o António é dez anos mais velho do que eu e de facto quando iniciei a modalidade o António era um dos meus ídolos. Como é lógico todos nós, não só do Hóquei em Patins como em qualquer outra modalidade, quando iniciamos a modalidade temos sempre os nossos ídolos, o meu foi e será sempre o António Livramento. Mais tarde o sonho tornou-se realidade, que é aquilo que nós desejamos, que é jogar ao pé do nosso ídolo, e de facto isso aconteceu pela primeira vez quando fui convocado para a Selecção, para o Mundial de 72. A partir daí acompanhei o António, tive o privilégio, depois de ser seleccionado, nas escolhas de quartos, de ter privado de perto com o António, eu era o colega de quarto dele. Era um jogador extraordinário, foi um homem que me ajudou muito, mas mesmo muito, como hoquista, me deu a mão e me orientou em muitas situações, e como homem me marcou imenso. Tive o privilégio também com o António Livramento não só de apanhá-lo na fase de jogador, porque para mim o António Livramento foi um dos melhores jogadores a nível mundial de todos os tempos, revolucionou por completo o hóquei em patins, e apanhei-o num outra revolução que ele fez também no Hóquei em Patins como treinador, porque é um facto, apanhei-o nessa transição porque eu ainda fiquei no Sporting, o António Livramento deixou de jogar, passou a treinar o Sporting e eu apanhei essa fase de transição. Tudo isto é fácil de falar acerca do António, a parte “difícil”, é a sua posição em campo como hoquista que sempre foi. Ele era um jogador exímio, toda a gente parava a olhar para o António, porque de facto o António conseguia fazer coisas do outro mundo, era inexplicável, nós chegávamos ao ponto de dizer «agora é que o António já perdeu a bola» e o António à última da hora se não sabia o que havia de fazer inventava um situação para se livrar de todas aquelas situações que os adversários criavam. Isto só é bem visível e é mais notório nos próprios hoquistas que o conheciam e que o acompanharam de perto, a vê-lo jogar. O António jogar para o público é um coisa, o público fica com um ideia, aqueles próprios jogadores que com ele privaram, acompanharam-no e viram-no jogar fazem um ideia ou têm um leitura completamente diferente daquela que o público faz, e de facto o António fazia coisas incríveis, só vendo! Ainda hoje o António é lembrado, nunca mais há-de ser esquecido. Eu de vez em quando lembro-me de situações em campeonatos europeus, e noutros quando joguei ao lado dele, que de facto só ver para crer. O António foi mesmo realmente um jogador incrível.

 

Apesar de ter havido jogadores que marcaram uma época, como Correia dos Santos ou Jesus Correia, e depois Vaz Guedes, e mais tarde Fernando Adrião, Júlio Rendeiro e Chana (no seu caso), se não fosse António Livramento, o hóquei seria o que é hoje ou seria diferente?
Chana: O hóquei tende sempre a evoluir e o hóquei evolui em função das novas regras que foram apreciadas e depois foram postas em circulação. O que é um facto é que os jogadores hoje em dia adaptaram-se às novas regras, elas avançaram, foram consumadas, todas as tácticas e a maneira de jogar dos jogadores, eu penso que se adaptaram a esse determinado tipo de regras. Eu penso que o Júlio Rendeiro marcou uma época, o António marcou uma época, mas eu penso mesmo que em relação ao António não havia qualquer tipo de regras que as pessoas pudessem inventar para de facto minimizar toda a grande categoria que o António tinha, eu penso que o António foi um grande jogador no passado e continuaria a ser um grande jogador no futuro fossem quais fossem as regras, eu penso que para o António não havia limites.

 

CRISTIANO PEREIRA

Que recordações tem desse Mundial 74, com António Livramento?
Cristiano Pereira: Esse Mundial tem muitas recordações, primeiro porque foi a primeira vez que eu fui Campeão Mundial, em termos pessoais, apesar de já ter sido Campeão Europeu, foi a primeira vez que fui Campeão do Mundo e penso que para qualquer desportista era o máximo que se podia almejar. Depois foi um assunto muito conturbado porque todos sabemos o Campeonato esteve para se disputar na magnífica Luanda na época, no Pavilhão da Cidadela, um pavilhão que tudo faria prever que iria ser um espectáculo extraordinário, que depois devido a todos esses aspectos que agora não adianta focar, acabou por ser transferido à última hora para Lisboa. Concretamente em relação ao António Livramento, foi a primeira vez me sagrei Campeão Mundial e neste caso particular eu jogando ao lado dele. Já tinha disputado um Mundial com ele, fazendo parte da mesma equipa e não tínhamos sido campeões mundiais, portanto isso diz tudo e tem a ver naturalmente com a pessoa, neste caso com um desportista, com um hoquista, que não há dúvida nenhuma foi o número 1 daqueles que eu tive ocasião de ver jogar e que realmente propagandeou a modalidade de uma forma ímpar. Infelizmente abandonou-nos com muito tempo ainda na plenitude da sua vida, em que poderia realmente continuar a orientar as diversas equipas e ser um exemplo, e a poder demonstrar aos mais jovens, sobretudo aos mais jovens, como é a técnica do hóquei em patins. 

O Porto já há muito tempo que não ganhava um Campeonato Nacional, ganhou o ano passado com António Livramento. Como foi substituir António Livramento no comando da equipa?

Cristiano Pereira: Nesse aspecto, como imagina, eu no FC Porto já fui tudo, já fui campeão nacional, já fui campeão europeu, num ano ganhámos todas as competições em que participámos, o FC Porto é o meu clube de sempre, portanto digamos que eu nasci e vivi lá. Naturalmente toda a vida desportiva dos clubes e nomeadamente das respectivas secções desportivas tem os seus períodos, os seus períodos áureos e depois naturalmente advêm períodos de hiatos. Com o António Livramento passou-se realmente uma coisa curiossísima, é que ele tendo tido oportunidade quer como jogador quer como treinador de enfim de representar o FC Porto, nunca se tinha proporcionado e felizmente que isso aconteceu o ano passado. Toda a sua experiência, todo o seu saber da modalidade contribuiu conjuntamente, com todo o grupo do FC Porto, para que ao fim de alguns anos pudéssemos com o FC Porto – e neste caso digo pudéssemos porque eu também faço parte integrante da família azul e branca – ver com todo o gosto o FC Porto voltar a ser campeão nacional. Dentro, digamos do infortúnio, dentro do episódio extremamente triste  no desporto nacional e concretamente no HP, de alguma forma, fica marcado para sempre o facto de ele ter sido no último ano da sua actividade desportiva campeão nacional e neste caso ao serviço do FC Porto. 

JORGE VICENTE

O que foi para si ganhar o Mundial de 74, em que jogou com Livramento?
Jorge Vicente: Recordo-me que esse Mundial de 74, nós já tínhamos estado quinze dias em Luanda. Estava-se a prever um Mundial com grande entusiasmo do povo angolano, infelizmente por motivos de desordem e a aproximar-se aquilo que seria depois a independência, tivémos que regressar um pouco à pressa. Fizémos um Campeonato em Lisboa com grande entusiasmo do público, e onde mais uma vez o António neste Mundial foi a figura, embora rodeado também de outros elementos de grande valia. Portanto foi o segundo Campeonato que eu ganhei, o primeiro foi em 68 também com o António: com o António (em 68) ganhámos 2-1 à Espanha, recordo-me perfeitamente com um golo à meia volta do António. Isto diz que todos os títulos nessa altura que se ganhou o António tinha sempre uma grande percentagem dos golos porque era efectivamente o jogador que fazia uma grande diferença. 

Sobre António Livramento…

Jorge Vicente: Conheci o António Livramento quando cheguei ao Benfica, vindo dos Açores com 15 anos. A partir dos 15 fiz 2 campeonatos de júnior, comecei a habituar-me a ver na Gomes Pereira… treinava-me e depois ficava a ver os seniores. Vinha já dos Açores como um miúdo de 15 anos como referência para o Benfica, o António Livramento, o José Lisboa que também tinha deixado os campeões do passado, e depois foi com entusiasmo que comecei a lidar com ele, ainda menino, ele já mais experiente. A diferença entre nós era quase de três anos, ele já era dos seniores, e depois começámos a conviver bastante, fizémos uma vida muito em comum, o que é normal em dois jovens sem responsabilidades na altura. Ainda não éramos casados, divertimo-nos bastante, ganhámos muitos títulos em prol do Benfica, convivemos na Selecção, e aquilo que Livramento foi sempre – infelizmente até à sua última hora –, era sempre uma pessoa que punha toda a gente bem disposta, porque ele tinha sempre uma brincadeira para fazer, no grupo era sempre ele que arranjava, digamos a maneira de “engatar”, no bom sentido, alguém. As histórias que se arranjavam eram sempre elaboradas pelo António, sempre dentro da brincadeira. Recordo-me quando havia muitas peripécias que fizémos juntos, porque como eu disse desde os 15 anos até aos 24 (8 ou 9 anos), éramos solteiros, vivíamos em Benfica, jogavamos hóquei, quase só hóquei, e portanto só tenho boas recordações. Ele casou, eu também casei, habitávamos quase de fronte, continuámos a fazer sempre uma boa vivência, até que ele depois foi para Itália e começámos a separar-nos um pouco mais. Não há dúvida que infelizmente o António foi-se embora cedo demais, ainda estava na plenitude das suas faculdades, ainda era um treinador conceituado, ainda mantinha sempre o mesmo espírito, e como eu disse, já com 50 anos, quem estava ao lado dele divertia-se porque o António era uma pessoa que mantinha a boa disposição ao seu redor.

Não sei se quer responder, mas como foi estar em Reus, no Mundial, e não poder dizer o último adeus?

Jorge Vicente: Aceitámos porque ninguém estava à espera. Já custa muito nós vermos um colega de longa data desaparecer por doença ou que se esperava, assim uma coisa repentina deixou-nos todos abalados e foi difícil superar. O não estar presente em corpo no último adeus, fiz-me representar pela família, mas o pensamento naqueles dias que se seguiram portanto era só a fatalidade que tinha acontecido a ele, e que depois nos faz pensar em muita coisa porque estamos na mesma idade de risco e afectou com certeza todo o ambiente, e foram dias difíceis de passar, para mim, para os restantes, até dirigentes, e também para muitos jogadores do FC Porto que tinham passado recentemente grandes momentos de alegria, que sentiram também muito a notícia de uma morte brusca que ninguém estava à espera.

 

JÚLIO RENDEIRO 
Recordações de António Livramento, algum episódio em especial…
Júlio Rendeiro: A recordação que eu guardo do António é um filme que começa a ser rodado connosco muito jovens, com quinze anos. Lembro-lhe que nessa altura eu vivia no Porto (final da década de 50). Fazer uma viagem do Porto a Lisboa para um pessoa com aquela idade era quase como fazer uma viagem de circum-navegação, era a descoberta do mundo, foi aí que comecei a conviver com o António. Curiosamente lembro-me que a esmagadora maioria das vezes que estivémos nas Selecções – como sabe os quartos são ocupados em pares e desde miúdos que de facto partilhámos o mesmo quarto – e portanto foi uma pessoa, um atleta que eu de facto aprendi a apreciar de todos os pontos de vista. Nunca vi um jogador de hóquei em patins como ele, de um ponto de vista criativo, de um ponto de vista de sentido da equipa, de um ponto de vista de entuasiamo pelo jogo, de um ponto de vista de alegria pelo jogo, enfim, foi de facto o maior de todos no meu ponto de vista. E simultaneamente com estas caracterísiticas únicas como jogador, ele tinha uma enorme alegria, tinha uma forma de conviver em grupo que transformava esse convívio numa autêntica aventura e sempre num filme de boa disposição e de descompressão. Isso é um coisa também que todos nós lhe devemos e em relação à qual também o consideramos perfeitamente insubstituível, cenas vividas com ele, dentro deste domínio, do domínio da alegria de vida, do domínio de olhar para a vida com uma enorme ânsia de a disfrutar, de a viver, são únicas e de tantos acontecimentos que se viveram não tenho nenhum que me apeteça relevar porque de facto era um manancial constante. A sua grande categoria como jogador que o tornou único, junto com a maneira ímpar e alegre como ele olhava para a vida e para as pessoas, transformaram-no de facto em qualquer coisa, para quem viveu e gosta de hóquei em patins, o tornam e o tornaram numa figura absolutamente impagável. É isso que eu penso. Foi treinador da Selecção.

Em 79 Livramento já não jogou na selecção, mas em 78 foi treinador da
 Selecção com Livramento como jogador. Como foi ser treinador da Selecção tendo Livramento como jogador?

Júlio Rendeiro: O António nessa fase da vida dele, nessa fase de jogador, já não tinha o esplendor doutro tempo, mas foi um jogador sempre de uma enorme utilidade colocando ao serviço da equipa uma enorme experiência. A minha experiência como Seleccionador é uma experiência que não tem nenhum relevo, não há nada que sublinhar, porque eu não tinha nenhuma vocação para o cargo, não tinha e não tenho.

 

…mas acabou por repetir a “dose”?!

Júlio Rendeiro: Pois, mas por razões que sobrestiveram sempre em relação a qualquer análise que eu fizesse sobre a minha própria vocação, foi mais para responder a chamamentos com os quais me defrontaram, do que por querer exercer qualquer actividade desse tipo, quer em relação ao Sporting (que também treinei durante meses) quer em relação à Selecção onde estive duas vezes. A primeira vez sozinho e a segunda vez com o António, que foi em 82. Foi sempre para responder a chamamentos que entretanto me fizeram porque havia condições objectivas e concretas que justificavam que eu desse uma mão e respondesse a esse chamamento, e nunca porque eu achasse que tinha qualquer vocação especial ou qualquer ambição nessas áreas porque a minha vida não… acho que não tenho nenhumas condições para ter qualquer espécie de êxito numa tarefa desse tipo. A primeira das quais é que não gosto disso e eu não acredito que nos consigamos afirmar capazmente a fazer coisas de que não gostamos, e eu de facto da actividade de treinador e de seleccionador não gosto, não me diz nada de especial. Depois, repito, tive um experiência com ele, eu como seleccionador e ele como treinador, mas isso foi em 82. 

Já se referiu a Livramento como o maior de todos, porque é considerado unanimemente como o melhor jogador de todos os tempos a nível nacional e mundial, portanto o número 1. Mas o senhor que foi um jogador de excepcional craveira é considerado por muitos, quase também unanimemente, o número 2. Considera-se o número 2 do hóquei em patins? 
Júlio Rendeiro: Nem pense nisso e isto não há aqui nenhuma situação de falta de modéstia. Se regressarmos ao banco de escola, qualquer pessoa que é professor, e eu também já fui, sabe que é fácil distinguir um aluno que sabe para 18 ou sabe para 10 ou para reprovar, ou sabe para 2 ou para 3, mas não é fácil distinguir se um aluno sabe para 18 ou 17. Portanto acho que não faz nenhum sentido estar a olhar para os jogadores nesses termos. Acho que faz sentido olhar assim: há jogadores de craveira claramente acima do alto, e não são muitos em Portugal, e depois há bons jogadores. Felizmente o hóquei em patins português sempre teve bons jogadores, digamos assim, e eu incluo-me no lote de bons jogadores que existiram em Portugal, mas de modo algum posso alcandorar ao lote daqueles jogadores acima do alto, que Portugal não teve assim tantos quanto isso, teve mas não teve tantos quanto isso. Hoje em dia a televisão oferece-nos a possibilidade de seguir um pouco mais de perto o hóquei, que é o que acontece comigo, quando um jogo é transmitido na televisão normalmente vejo, e o que é que eu verifico? Verifico, acho por aquilo que vou vendo, que o Hóquei em Patins português em termos médios melhorou bastante, acho que há um boa igualdade das equipas, e igualdade por cima não é um igualdade por baixo. Acho que o número de bons jogadores aumentou, o suficiente e o bom melhoraram, aumentaram em quantidade, e isso é muito bom, é um nota positiva que eu registo a favor do hóquei. A segunda nota positiva, já agora, é achar que pese embora as enormes contrariedades que a modalidade está a ser confrontada, ela continua a ser um modalidade que os portugueses gostam e isso é muito importante. Agora há um coisa que é óbvia, e é claro, e isso já não é um opinião é um facto, é que hoje em dia ao nível de cúpula perdemos mais vezes do que perdíamos antigamente, e mais do que isso até chegámos a perder jogando em casa que é uma coisa que nunca acontecia. Como é que se compatibiliza esta perda de competitividade a nível de topo com a melhoria, com o alto que eu defendo que existe no hóquei? Para mim a explicação é muito simples, porque dá a ideia de que há aqui um paradoxo mas não há e a explicação é a falta de jogadores fora-de-série. O Hóquei em Patins português sempre teve ao longo da sua história vários jogadores fora-de-série, e mais, há gerações, há equipas, há selecções nacionais que chegaram a ter mais do que um, mas pelo menos um tiveram sempre. Sem recuarmos muito, lembro-me de uma Selecção Nacional mais recente... Bom, estas coisas são sempre muito discutíveis. Para mim o último jogador fora de série do Hóquei em Patins português foi o Vítor Hugo. Na Selecção, antes do Vítor Hugo estava o Livramento e o Chana, aí está um 5 com dois fora-de-série. Recuo um pouco mais, tinhamos um Selecção onde estava o Livramento e o Fernando Adrião. Sempre tivemos nas Selecções Nacionais um ou mais jogadores fora-de-série. E sabe que a existência de jogadores fora-de-série numa equipa dá-lhe, do ponto de vista competitivo, caracterísiticas únicas, porque são esses jogadores que em momentos complicados, contra adversários que se fecham, nas horas de verdade conseguem imaginar uma jogada de que só eles são capazes, conseguem fazer um passe que só eles são capazes, dando à equipa uma superioridade no marcador que lhe permite depois expressar a categoria que realmente tem. E portanto o Livramento faz parte deste lote de dez ou vinte fora-de-série que o Hóquei em Patins português ao longo da sua história sempre teve, mas na minha geração de jogadores, apanhando eu aquela geração de Lourenço Marques e esta geração que conhece, eu considero que de três ou quatro jogadores fora-de-série, o Adrião, o Velasco (mas o Velasco terminou muito cedo, não vale a pena considerarmos essa equipa de Lourenço Marques), dessa equipa de Lourenço Marques era o Adrião, depois desta equipa era o Livramento e o Chana, e se quiser o Vítor Hugo, se eu apanhar a geração imediatamente anterior à minha, a minha geração e a geração imediatamente posterior, eu identico quatro jogadores fora-de-série, não identifico mais, e neste sentido nem de perto nem de longe meterem-me nesses lotes.