Mercado livre, morte lenta (22/04/2013)

 

 

Reportagem com declarações dos treinadores Rui Vieira (Sintra), Hugo Miguel (Sintra), André Luís (Turquel); dos dirigentes João Rodrigues (Paço de Arcos) e Gilberto Borges (Sporting); dos jogadores Miguel Lino (Sporting) e José Costa (Turquel) e do advogado Nuno Albuquerque:

 

  

              Todos os desportos colectivos são feitos de jogadores e todos os desportos colectivos são feitos de clubes. Sem jogadores não há clubes e sem clubes não há equipas. Imagine um clube sem jogadores e posteriormente um campeonato com apenas dois clubes, ambos com aqueles que são considerados os vinte melhores jogadores de Hóquei em Patins do país, todos eles oriundos de vinte clubes diferentes, clubes que já não existem, pois não têm jogadores, não têm dinheiro para pagar aos que formam jogadores. Já alguma vez imaginou este cenário?

                Nos desportos colectivos, existem três factores essenciais para definir um clube próspero. Curiosamente ou não, são três factores totalmente semelhantes ao panorama do nosso Mundo: o nível de conhecimento (treinadores e dirigentes), a matéria-prima (jogadores) e as massas (adeptos) definem a prosperidade de cada país, sendo que os dois primeiros têm como objectivo servir o terceiro, pois é este quem consome, quem compra, quem assiste e quem dá o dinheiro. A título de exemplo, dos cinco países mais populosos do Mundo (Índia, Brasil, China, Indonésia e Estados Unidos) apenas a Indonésia não consta no Top10 dos países com maior PIB nominal segundo dados do Fundo Monetário Internacional de 2012, assim como os dois clubes com mais títulos de campeão nacional da primeira divisão de Hóquei em Patins em Portugal são os dois clubes com mais associados do território lusitano em 2011: FC Porto (perto de 115 mil sócios) e SL Benfica (perto de 235 mil sócios).

  

              Contudo, nem todo o conhecimento e matéria-prima residem nos territórios mais populosos, assim como nem todos os jogadores e treinadores de valor nascem no SL Benfica ou no FC Porto. Assim sendo, os grandes países e os grandes clubes são, por vezes, ‘’obrigados’’ a adquirir os conhecimentos e as matérias-primas (treinadores e jogadores), oferecendo valor monetário em troca do valor físico. Se o valor monetário for entregue unicamente ao valor físico (oferecer melhores condições aos atletas ou treinadores para se transferirem), deixando de lado quem o ajudou a criar (clube), a possibilidade de regenerar com a mesma qualidade naquele território extinguir-se-á, pois não haverá capacidade de financiar a mão-de-obra para polir a matéria-prima e consequentemente não haverá matéria-prima, desaparecendo naturalmente uma fonte, salvando-se apenas quem de lá saiu (jogadores ou outros profissionais no caso de um país).

 

               Importa referir que nem só de dinheiro vive o homem e o Hóquei em Patins tem muitos exemplos de carolice, mas sendo mais os homens que vivem do dinheiro do que o contrário, partir-se-á daquela que é a linha de pensamento geral.

 

LEI DE TRANSFERÊNCIAS EM VIGOR ATÉ 2005/2006

 

  

              Até ao final da época 2005/2006, a lei de transferências do Hóquei em Patins que abrangia atletas com 15 ou mais anos de idade, entregava todos os direitos desportivos do atleta ao clube onde foi formado, sendo apenas transferidos esses direitos para outro clube ou para o próprio atleta com o pagamento de uma verba à Federação e ao clube formador. Pelo menos a partir dos 15 anos de idade, a fonte do conhecimento e da matéria-prima estava assegurada. Por exemplo na época 2005/2006, contratar um atleta com idade compreendida entre os 24 e 27 anos de idade, a actuar na primeira divisão, custava ao clube que o adquirisse pouco mais de 6.600 euros, pouco mais de 5.500 euros seriam para o clube formador ou detentor dos seus direitos e pouco mais de 1.100 euros para a Federação Portuguesa de Patinagem (FPP). Nas camadas jovens, contratar um júnior com idade compreendida entre os 17 e os 19 anos custava ao clube ou a quem pretendesse os direitos de formação do jogador quase 1.600 euros, sendo entregues ao clube formador pouco mais de 1.300 euros e o restante dinheiro à FPP.

 

LIBERDADE PARA CONTRATAR, LIBERDADE PARA TRABALHAR

   

             No início do milénio, a verba paga aos clubes formadores começa a revelar-se insuportável para os clubes de maior e média dimensão, contando com dificuldades em formar boas equipas, nomeadamente nos escalões mais jovens. Para jogadores de média e alta valia, jogar num clube de maiores dimensões começa a ser uma miragem, sendo que a própria secção do Benfica esteve em vias de extinção na época 2003/2004, caindo a pique o investimento do clube encarnado para essa época. Também os jogadores que sobem a seniores tinham, por vezes, falta de espaço no seu clube, recebendo ‘’carta branca’’ dos mesmos para se transferirem ‘’por empréstimo’’ para clubes de menor dimensão.

      

          Ligado a estas ‘’dificuldades’’ dos clubes com poder de compra vêm outros dois factores: em primeiro lugar a alteração obrigatória da lei das transferências do Hóquei em Patins devido à lei aprovada no Parlamento no ano de 1998 que impede as Federações, como instituições de utilidade pública desportiva e sem qualquer fim lucrativo, de estabelecerem o pagamento de qualquer compensação aos clubes formadores. ‘’As normas dos regulamentos federativos que prevêem a obrigação de pagamento de qualquer compensação ou indemnização a um clube no caso de mudança para outro clube de praticantes desportivos enfermam de ilegalidade – por violação do regime instituído pela Lei n.º 28/98, de 26 de Junho, nos artigos 18.º, n.º 2, 31.º, n.º 1, 38.º e 40.º - ao conterem disciplina em matéria de reserva relativa de competência legislativa da Assembleia da República - liberdade de trabalho, liberdade de contratar -, as mesmas normas regulamentares infringem também o artigo 165.º, n.º 1, alínea b), da Constituição, pelo que, em qualquer caso, sempre padeceriam de inconstitucionalidade orgânica’’ afirmou o advogado Nuno Albuquerque.

   

             Também nas idades a lei fala mais alto: ‘’Não pode ser estabelecida por regulamento federativo a obrigação de pagamento de qualquer compensação a um clube no caso de mudança para outro clube de praticantes desportivos com idade inferior a 16 anos’’. Neste sentido, a FPP e as restantes federações desportivas viram-se obrigadas a alterar a lei das transferências, sob pena de estarem a cometer ilegalidades. ‘’Com a aprovação da Lei n.º 28/98 – mormente o artigo 18.º, n.º 2 - ao não prever o estabelecimento da obrigação de pagamento de qualquer compensação ou indemnização pela formação, valorização ou promoção dos praticantes desportivos, mediante regulamento federativo, implicou a revogação dos actuais regulamentos federativos na parte em que estabeleçam indemnizações ou compensações aos clubes de origem em caso de transferência dos praticantes. Vale isto por dizer que, além de ilegais, têm de se considerar revogados os regulamentos federativos que estabeleçam qualquer tipo de indemnizações ou compensações indemnização aos clubes de origem dos praticantes’’, afirmou Nuno Albuquerque. ‘’A compensação por formação só é devida no caso de existir um prévio contrato de formação do praticante desportivo, quando este celebrar um contrato de trabalho ou se for estabelecida por convenção colectiva’’.

  

              Nuno Albuquerque acrescenta também que ‘’os regulamentos autónomos têm de respeitar a Constituição e a lei, não podendo incidir sobre matérias reservadas à competência legislativa da Assembleia da República ou à competência da lei em geral. Decisivo é saber se o praticante tem uma relação laboral com o clube, isto é, se presta a sua actividade desportiva a outrem mediante retribuição e sob a sua autoridade, direcção e fiscalização’’, finaliza. Importa referir que no capítulo do profissionalismo, a FPP não o reconhece no Hóquei em Patins, ou seja, qualquer contrato profissional ou de formação não será válido para a FPP.

    

            Em segundo lugar: a crise financeira que se acentuava a toda a linha na FPP desde o início do milénio e que culminou num pedido de empréstimo bancário em 2007 e em outras carências que ainda hoje são colmatadas praticamente no total pelos clubes, através de taxas, onde se incluem actualmente as taxas de transferência, a única despesa que um clube tem para adquirir um atleta. Tais dificuldades são perceptíveis no plano de actividades da FPP para 2008: ‘’Após a regularização fiscal da Federação junto da Administração Pública e depois da Inspecção Tributária de que fomos alvo, o sector financeiro da Federação foi, nos últimos dois anos, fortemente penalizado, vivendo, actualmente, uma situação muito delicada, quiçá, preocupante.’’

NOVA LEI DE TRANSFERÊNCIAS

 

                A partir da época 2006/2007 a Federação altera a lei das transferências. A partir dos 14 anos de idade qualquer transferência é paga por inteiro à Federação, ou seja, nenhum clube receberá qualquer cêntimo pela saída de jogadores. Sendo assim, um clube paga actualmente 339 euros pela aquisição de um júnior e pouco mais de 1.200 euros pela contratação de um atleta a actuar na primeira divisão. ‘’Não consigo entender que valor foi criado pela FPP para lhe ser dada uma indemnização, indemnização dada a uma entidade que não formou o jogador’’, avançou Hugo Miguel, técnico dos iniciados do Sintra, numa entrevista cedida ao Facebook do clube, publicada no dia 11 de Dezembro de 2012.

 

RESULTADOS DA NOVA LEI

  

              As miragens dos jogadores de média e alta valia em jogar num clube de maiores dimensões continuam dado que, apesar de o clube formador não ser ressarcido, a Federação continua a ser e com quantias consideradas de exageradas, como revelou o homem forte do Hóquei em Patins do Paço de Arcos, João Rodrigues, numa entrevista cedida à PATV Desporto no dia 9 de Fevereiro de 2013: ‘’Defendo a redução significativa das taxas. A Federação transformou a taxa das transferências para seu proveito próprio e não faz qualquer sentido. A Federação tem de olhar para este problema e tomar medidas efectivas. Faz sentido investirmos na formação? Eu acho que neste momento não faz sentido nenhum. Eu defendo uma mudança radical nesta lei de transferências’’. O Director do Hóquei em Patins do Sporting, Gilberto Borges, acrescentou no mesmo dia e ao mesmo meio semelhante opinião: ‘’a taxa de transferências é uma barbaridade, apesar de se ter feito uma boa alteração esta época, em que até aos 23 anos não se paga taxa de transferência mas sim de renovação de inscrição.’’

   

             Passaram praticamente sete anos desde a entrada em vigor desta nova lei. Entre 2005 e 2012 o número de praticantes pouco ou nada aumentou – de 7138 para 7186 - e o número de clubes que estiveram presentes pelo menos uma vez em finais a quatro dos campeonatos nacionais de infantis, iniciados, juvenis e juniores até aumentou entre 2008 e 2012 (19 clubes) em relação aos quatro anos anteriores à nova lei (17 clubes entre 2002 e 2006). Contudo, quer dirigentes quer jogadores são unânimes na volta que esta lei terá de dar, por forma a evitar a não indemnização de algo semelhante a esta notícia, publicada no dia 29 de Maio de 2012 pela Plurisports:

 

‘’Formação do Paço de Arcos sob ataque cerrado.

 

 

A excelente escola de formação do Paço de Arcos que há já muitos anos vem dando “craques” à modalidade de forma constante, está sob mira da concorrência.

Esta época com duas equipas na segunda fase do Nacional - infantis e iniciados - mais uma vez o trabalho que o clube tem feito está a dar os seus frutos em termos desportivos.

 

Depois da contratação por parte do Sporting de Gonçalo Nunes, um jogador que tem dado nas vistas pela qualidade que vem mostrando em rinque, e que foi uma das apostas de Luís Moreira na Selecção de Lisboa no último Inter-regiões, sabe-se agora que quatro atletas do escalão de infantis estão já comprometidos com o Benfica.

 

Bernardo Sousa, Afonso Sousa, Henrique Santos e Miguel Neves são os jogadores que na próxima época deverão envergar a camisola encarnada no escalão de iniciados, segundo o que a Plurisports apurou.

 

Para além destes, sabe-se também que mais três jovens formados no Paço de Arcos e que militam na equipa de iniciados poderão estar a caminho da Salesiana.

 

Tempos difíceis para os responsáveis do Paço Arcos para segurarem as “trutas” desta “cantera” que é uma das mais profícuas escolas de formação a nível nacional.

 

Os próximos dias poderão clarificar ainda mais as coisas.’’

 

               Vários são os exemplos que podemos apresentar sobre o enfraquecimento de algumas gerações e sem qualquer ressarcimento para os clubes formadores. Nos últimos anos, entre outras certamente, saltam-nos à vista a geração de Oliveira do Hospital formada por Tiago Gouveia, José Pedro Barreto, João Pedro Pais e Alexandre Marques (todos no Benfica actualmente); a formação do Sintra onde constavam Gonçalo Reis (Paço de Arcos) e Guilherme Silva (Benfica); a formação da Física onde se inseriam Miguel Lino e Pedro Chambell (ambos no Sporting) e por fim a geração do Santarém formada por Gonçalo Nobre (Sporting), Bruno Santos (Paço de Arcos) e Miguel Gomes (Turquel). A geração de Oliveira do Hospital participou nas finais a quatro dos nacionais de infantis, iniciados e juvenis, as gerações do Sintra e da Física sempre lutaram pelas finais a quatro, assim como o Santarém na sua única época em que esteve no nacional e que por pouco não se apurou para a segunda fase da prova. A diferença em todas elas nos resultados desportivos é notória: esta época, Física e Sintra ficaram-se pela primeira fase do Nacional de juniores e Oliveira do Hospital e Santarém nem o apuramento conseguiram, para o Nacional de juniores e de iniciados respectivamente.

  

              Nestes casos, nem resultados desportivos devido à livre decisão dos atletas em abandonar o respectivo clube, nem compensação pelo valor criado, algo que poderia, a título de exemplo, substituir ou atenuar o pagamento das já habituais mensalidades, pagas por todos os atletas em grande parte dos clubes, que desde logo excluem possíveis jogadores com mais-valia e com dificuldades financeiras.

 

               Como afirma José Costa, atleta juvenil do Turquel, ‘’Temos exemplos claros de destruição de equipas nomeadamente na zona de Lisboa, onde os grandes clubes conseguem iludir os jovens atletas com o seu nome, e com o que lhes prometem. Estes pequenos clubes, que na altura tinham vários atletas de grande qualidade, agora nem para os campeonatos nacionais se conseguem apurar, pois os seus jogadores de maior qualidade são todos seleccionados e integrados nos planteis dos grandes clubes. Há quem considere que estes clubes considerados grandes formam grandes equipas. Eu acho que eles destroem equipas, pois em vez de haver dez boas equipas existem apenas duas ou três muito boas que acabam por ser, geralmente, campeãs nacionais. Estas transferências desmotivam os clubes, as equipas e até os próprios atletas dos clubes formadores, pois não lhes vale de nada formarem os jogadores se sabem que mais cedo ou mais tarde os grandes clubes os iludem e estes acabam por ceder. E assim se vão destruindo rapidamente equipas e até clubes, ano após ano quase que como uma cadeia.’’

 

               No Sintra, um dos clubes mais prejudicados pela actual lei de transferências, quer o técnico dos seniores Rui Vieira quer Hugo Miguel afirmaram ao órgão de comunicação social do seu clube nos dias nove de Novembro e 11 de Dezembro de 2012 respectivamente, que o regimento actual não faz qualquer sentido. ‘’Esta lei não defende o hóquei, não defende os clubes de formação. Defende um ou dois clubes apenas. A culpa também é dos clubes porque esta lei foi votada pelas Associações numa assembleia da FPP e as Associações têm de representar a intenção e o voto dos clubes que representam. Tudo tem que ser mudado nesta lei de transferências, é uma aberração total. Qualquer jovem sai quase a custo zero e só não sai a custo zero porque se paga uma taxa à FPP. Os clubes têm rapidamente de rever a actual lei e fazer valer a sua força e a sua voz, caso contrário prevejo que o Hóquei em Patins comece a ser jogado só pelo Benfica e pelo Porto’’, referiu Rui Vieira. ‘’Quem no fundo tem a função de pensar nisso deve pensá-lo da melhor forma e se calhar olhar para o Hóquei em Patins com olhos de ver para de alguma forma equilibrar as coisas e de alguma forma beneficiar os clubes de formação. Neste momento a lei das transferências não protege a formação, isto porque os clubes fazem um grande esforço para formar jogadores e na altura em que poderiam colher os frutos desportivos da formação que fizeram até então os jogadores saem, ou seja, andamos a formar jogadores para depois os perder e sem qualquer tipo de compensação. É lógico que acaba por ser desmotivante e se assim continuar os clubes de formação vão acabar porque começam a perceber que não vale a pena estar a formar jogadores com objectivos competitivos se mais tarde ou mais cedo os vamos perder e sabemos quais são os clubes que vão ganhar com isso’’, afirmou Hugo Miguel.

 

QUEM SÃO OS FORMADORES E QUEM SÃO OS ‘’GRANDES’’?

 

               No nacional da primeira divisão também se evidenciam os formadores e os ditos grandes. Clubes como o Turquel, o Gulpilhares, o Barcelos e o Paço de Arcos que contam com praticamente todos os elementos formados no clube desde pelo menos infantis ou iniciados e que contrastam com clubes como a Oliveirense, o Benfica, a Candelária, os Tigres e o Porto, entre outros. Nas palavras do treinador dos juvenis do Turquel da época passada André Luís, ‘’os dividendos deste investimento, que tem mais de dez anos, reflectem-se neste momento nos séniores e costumo dizer que estamos alguns anos à frente de outros clubes, fundamentalmente porque não temos o poder de compra de outras agremiações, mas diminuímos a distância competitiva que existe com a qualidade dos jogadores da formação, abastecendo a equipa sénior. Isto significa que formamos para rentabilizar e não formamos para mandar embora…esse é o futuro’’, referiu à Plurisports a 12 de Julho de 2012. Nunca esta ideia esteve tão em risco como nos dias de hoje.

 

                Nas camadas jovens Benfica, Oeiras, Paço de Arcos, Valongo, Braga e Sporting são os principais símbolos que disputam os principais hoquistas do nosso país. Apesar das dez aquisições feitas esta época para as camadas jovens, Gilberto Borges considera o Sporting um clube formador. ‘’O Sporting é desde há dez anos um clube formador. O exemplo está no actual plantel sénior que comporta quatro juniores com oito e dez anos de clube e dois seniores de primeiro e segundo ano com o mesmo tempo de casa. E é este o caminho, nesta casa. Formar na base e municiar os escalões juniores e seniores com prata da casa. Há que moralizar as coisas até para desincentivar a procura desmedida e selvagem que por aí anda.’’

  

              Para quê investir na formação? Que incentivos? Trata-se claramente de um investimento a fundo perdido? Os dirigentes acham que sim. Na opinião de Gilberto Borges, ‘’todos os escalões devem ter taxas de transferências que façam algum ressarcimento do clube de forma a compensar pela formação dada. Tal como no futebol. Uma hipótese será os clubes estabelecerem quanto lhes custa formar um infantil, um iniciado, um juvenil (2 anos) e um júnior (entre 1 e 2/3 anos). Aqui, eu dir-lhe-ei como exemplo que cada atleta que comece connosco a competir em infantis e que atinja 8-9 anos até sair de júnior (oito anos de formação) para sénior fica em cerca de 5100 euros (500x2+650x2+650x2+750x2). Era justo que de uma saída neste escalão, desde que mérito seja comprovado, que o clube formador pudesse pedir até 5100 euros pelo passe/carta do jogador. Se um jogador fez infantis e iniciados, completos, o clube formador poderia ter direito até 2300 euros. E assim sucessiva e proporcionalmente.’’

                Também João Rodrigues abordou o tema da protecção aos clubes formadores: ‘’é uma questão decisiva. Não há qualquer incentivo nem protecção aos clubes formadores. Anteriormente a lei previa que os clubes fossem ressarcidos, ainda que prescindissem muitas vezes da verba de transferência, mas essa decisão cabia aos clubes e não à Federação. Se temos um jogador com valia, devemos ser recompensados pela sua saída’’, referiu na mesma entrevista dada à PATV Desporto.

 

               José Costa apontou igualmente possíveis alterações a esta lei. ‘’Uma medida que a meu ver seria interessante e bastante importante era a anterior indemnização ao clube formador, ainda que não corresponda ao valor real dos custos de formação. Outra medida poderia ser o limite de aquisições de atletas, sendo que não podia ultrapassar os dois ou três atletas por equipa, assim teriam sempre de manter uma base da sua formação.’’

 

TAXAS SÓ A PARTIR DOS 14 ANOS

 

                Como foi referido acima, qualquer taxa de transferência aplica-se apenas aos jovens com idade superior aos 14 anos, no entanto, em virtude dos campeonatos nacionais jovens começarem nos infantis (11 e 12 anos) e também no sentido de fugir às taxas federativas, os jovens mais valiosos cedo começam a assinar por clubes com maior visibilidade. Como afirma José Costa, ‘’normalmente as transferências maiores ocorrem entre o escalão de infantis e iniciados. Por exemplo os campeões nacionais do escalão de infantis são habitualmente derrotados duas épocas mais tarde, já em iniciados, pelos clubes ditos grandes. Isto acontece porque os jogadores que em infantis eram os que mais se destacavam nas equipas encontram-se dois anos depois nos clubes de topo e que com naturalidade acabam por sair campeões. Por este motivo, penso que a lei das transferências deveria abranger escalões mais jovens.’’

                Miguel Lino, atleta júnior do Sporting, também sublinha a ideia do pagamento por transferência iniciar-se mais cedo: ‘’Penso que a taxa por transferência deve iniciar-se mais cedo e sempre com a ideia de que o clube formador deveria sempre receber uma quantia monetária pela transferência do seu jogador.’’

 

O EXEMPLO ITALIANO

 

                Sendo complicado aplicar exemplos ao nível português, à excepção dos desportos com campeonatos profissionais, analisámos a lei de transferências do Hóquei em Patins italiano. Em Itália o sistema é muito semelhante à antiga lei de transferências portuguesa. A partir dos 15 anos de idade todos os atletas estão disponíveis para serem transferidos através de um empréstimo que dura um ano e tem o módico custo de cinco euros, não sendo possível voltar à equipa de origem a menos que não nunca tenham jogado por parte da equipa para onde se transferiram. Este empréstimo tem a duração de um ano e após essa época o clube formador decidirá se o jogador regressa ou se pode continuar no clube posterior, sendo que no caso de ser decidida a cedência ao clube posterior deverá ser entregue uma ‘’carta de libertação’’, passando os direitos do atleta a pertencer ao clube que o adquiriu, após o pagamento de uma indemnização decidida pelo clube formador. O pagamento poderá ser feito pelo clube posterior ou pelo próprio atleta, não sendo necessário o pagamento da ‘’carta de libertação’’ no caso de o atleta deixar de competir durante pelo menos uma época.

 

MERCADO LIVRE, MORTE LENTA

 

                Imaginou um campeonato a duas equipas? A carolice, os subsídios e as mensalidades vão adiando a possibilidade de existir tal cenário que a saída de jogadores valiosos e a não entrada de dinheiro proveniente desse valor vão causando e irão causar – porque sete anos não são suficientes para avaliar a medida - caso não haja qualquer alteração à actual lei de transferências no Hóquei em Patins. Um pouco à imagem dos jovens portugueses licenciados que emigram para o estrangeiro, com milhares de euros gastos pelo Estado português, sem que os países que os recebem gastem um só cêntimo na sua formação, obrigando o Estado a aumentar as propinas universitárias quando a indemnização de quem adquiriu o valor físico pudesse eliminar ou baixar estes pagamentos trimestrais. Mesmo que as fontes não se esgotem, elas vão ficando cada vez mais reduzidas quando não são cuidadas, as mensalidades foram já um primeiro passo de redução de fontes que a indemnização pela aquisição de um atleta poderia resolver ou pelo menos atenuar.

 

               Importa referir, por fim, que foram contactados o vice-Presidente da FPP para o Hóquei em Patins, Paulo Rodrigues, assim como o director do Hóquei em Patins do Benfica, José Trindade, que não se disponibilizaram a responder às questões colocadas.