Hóquei italiano (20/12/2012)

 

Formação do Hockey Novara

 

                A segunda Federação de Hóquei em Patins mais antiga do Mundo a seguir à NRHA (Inglaterra, fundada em 1896) cumpre no ano que agora irá terminar o seu 90º ano de existência. FIHP, órgão máximo do hóquei italiano, único país a par de Portugal que até hoje ainda não falhou qualquer Campeonato do Mundo, fazendo parte do lote de cinco países que até hoje já conseguiram festejar o primeiro lugar nessa mesma competição, sendo por isso um histórico da modalidade. O hóquei italiano tem sido ao longo destes 90 anos um caso ímpar na modalidade, na medida em que, ao contrário da Argentina, Espanha e Portugal, o investimento feito na mesma não tem combinado com os títulos internacionais conquistados, quer ao nível das selecções, quer ao nível dos clubes. Itália tem sido desde a primeira hora e à excepção dos anos ’80 e ’90 do século passado, um país ‘’quase-campeão’’, ficando-se ao longo de muitas décadas perto do título, mas só raras vezes conquistando-o.

 

ACTIVIDADES DAS SELECÇÕES

Italianos festejam conquista do Mundial '97

 

 

                 No que toca às competições internacionais de selecções, a formação transalpina inicia a sua participação no Campeonato da Europa (não oficial) de 1925, atingindo o pódio pela primeira vez na mesma competição em 1929. Em 1930 e 1932 falha esta competição, passando a participar em mundiais e europeus sem qualquer interrupção desde 1933. Os anos ’30 e ’40 são marcados pelas boas classificações italianas, dando o pronúncio para o primeiro título europeu e mundial (a mesma competição contava para os dois títulos), alcançado em 1953 na cidade de Genève (Suíça). Até 1960, a selecção italiana só falhou o pódio por uma vez (Lisboa, 1947), mas a partir de então, dá-se uma das épocas mais negativas do hóquei italiano, sendo mais as vezes em que Itália ficava fora do pódio do que o contrário. Entre 1960 e 1982 apenas por duas vezes os transalpinos conseguiram ficar-se pelas três primeiras posições, verificando-se em 1978 aquela que até hoje é a pior classificação de sempre: oitavo lugar no Campeonato do Mundo de San Juan. Esta época negra culminaria com o aparecimento do jogador italiano mais virtuoso de todos os tempos, o actual treinador do Amatori Lodi, Pino Marzella. Natural de Giovinazzo, Marzella estreia-se com a camisola da selecção italiana principal em grandes competições no ano de 1980 no Mundial do Chile, três anos depois de ter conquistado para a selecção italiana o primeiro título europeu jovem em Den Haag (Holanda) na categoria de Juvenis. Em 1982 é o segundo melhor marcador do Mundial de Portugal (Barcelos e Lisboa) com 23 golos e em 1984 no Mundial de Novara ajuda a selecção italiana a regressar ao pódio de um Campeonato do Mundo, sendo vice-campeã. A primeira geração de ouro italiana constituída por Marzella (melhor marcador do Mundial ’86), Enrico Bernardini, Franco Girardelli, Stefano Dal Lago, Tommaso Colamaria, Massimo Mariotti, entre outros, a que poucos anos mais tarde se juntaram Roberto Crudeli, Alessandro Cupisti, Francesco Amato, Alessandro Milani, Enrico Mariotti, entre outros, conquista dois títulos mundiais consecutivos para Itália (1986 e 1988) e um Campeonato da Europa (1990). Também nas camadas jovens os anos ’80 e o início dos anos ’90 são de grande sucesso para o hóquei italiano, com as vitórias nos europeus de juniores em ’82, ’83, ’85, ’87, ’88, ’90 e ’91 e nos europeus de juvenis de ’82, ’83, ’84, ’88 e ’92, sendo conquistado em Viareggio ’92 o último título internacional jovem italiano. Com estes resultados previa-se uma década de ’90 risonha para o hóquei italiano, com uma nova (e até agora última) geração de ouro, formada pelos irmãos Bertolucci, irmãos Michielon, Dario Rigo, Alberto Orlandi, Franco Polverini, Gigio Bresciani e Massimo Cunegatti. Estes atletas voltaram a conquistar o Campeonato do Mundo para Itália em 1997, naquele que foi o último título internacional conquistado por Itália, ao nível das selecções. O Mundial de Oliveira de Azeméis em 2003 e o Europeu 2004 em La Roche Sur Yon foram as últimas grandes competições em que os transalpinos fizeram frente às grandes potências, sendo finalistas das mesmas competições. A partir daqui houve uma grande ausência de referências italianas no hóquei mundial, denotando-se nos resultados da selecção que em 2005 e 2012 ficou fora do pódio do Campeonato da Europa de Juniores, acontecendo semelhante situação em seniores nos anos de 2006 e 2010, algo que já não acontecia desde 1981 em Seniores e 1994 em Juniores. Em Vigo 2009 chegou perto da pior classificação de sempre em mundiais ao ficar-se pela sétima posição. Os resultados obtidos reflectiram-se na queda de popularidade da modalidade em Itália, como ficou provado nos europeus sénior realizados em Florença (2002) e Monza (2006) que obtiveram muito pouca afluência de público ao longo da competição. Como se explicará esta queda de referências e de popularidade do hóquei italiano que ainda hoje afecta a selecção principal?

 

     


PANORAMA DO HÓQUEI ITALIANO

                Praticado maioritariamente no Norte e no Oeste-centro, Itália conta nos dias de hoje com cerca de 2.000 praticantes em aproximadamente 60 clubes, sendo das quatro potências da modalidade o país com menos praticantes, estando inclusivamente ultrapassada pela França (cerca de 5.000 praticantes). Como se não bastasse, a inclusão massiva de jogadores estrangeiros no campeonato principal italiano explica bem a falta de investimento a longo prazo nas camadas jovens, optando-se pela importação em larga escala de atletas portugueses, suíços, espanhóis e argentinos de bom nível, pelo que não só as oportunidades dadas aos jovens atletas italianos são escassas como o planeamento e investimento dado às camadas jovens torna-se parco. Na época corrente a principal liga italiana é a prova doméstica com maior número de patinadores não nascidos no país (alguns não são estrangeiros devido à obtenção de cidadania do respectivo país) onde actuam, tendo actualmente 38 atletas nessas circunstâncias. A título de exemplo, a França conta neste momento com 36 atletas nessas condições, Portugal com nove e a Espanha com sete. A época 2012/2013 é aquela que mais atletas não nascidos em Itália actuam na Serie A1, principal campeonato transalpino (38). Nos últimos anos a média não tem andado longe (28 em 2011/2012, 29 em 2010/2011, 36 em 2009/2010 e 37 em 2008/2009). Em 2006 a FIHP deliberou que cada formação da Serie A1 só poderia ter até quatro estrangeiros, estando o limite actual e desde 2008 em apenas três. Naturalmente que com as naturalizações de atletas estrangeiros o número de jogadores não italianos é ainda bem grande, sendo por isso uma medida que poderá não ter verdadeiras repercussões na criação de oportunidades para os hoquistas transalpinos. Mas será esta importação excessiva? Reflecte uma melhoria de qualidade das competições italianas? Oferece uma maior visibilidade do Hóquei em Patins em Itália?

                Apesar de terem atingido 14 finais da Taça dos Campeões Europeus/Liga Europeia em 47 possíveis, o Follonica Hockey (na altura apenas com um estrangeiro) é até hoje a única equipa italiana que venceu a principal competição de clubes na Europa, em 2006. Por outro lado, na Taça CERS, Itália é o segundo país na Europa com mais títulos, num de 10, contra 13 da Espanha e 9 de Portugal, sublinhando-se também a conquista do Campeonato do Mundo de Clubes pelo Bassano Hockey em 2006. O sucesso é, portanto, curto no que toca ao patamar mais alto, mas longo no que toca à competição de segundo nível como é actualmente a Taça CERS, não tendo as formações italianas justificado ainda o investimento criado para a importação de atletas, quer na quantidade quer na qualidade que posteriormente é reflectida nas provas disputadas.

Irmãos Michielon festejam a conquista da Liga Europeia em Torres Novas



                Relativamente à visibilidade tudo é diferente em Itália, para melhor. Os dois principais campeonatos têm desde 2006 um sítio oficial (www.legahockeypista.it) onde estão as fichas de jogo de todas as partidas e RAI (canal público italiano) transmite as principais partidas do campeonato desde 2000, assim como das principais competições internacionais de clubes e de selecções, sendo juntamente com Portugal e Angola o único país em que o Hóquei é transmitido em canal público aberto a toda a nação. O principal campeonato italiano é a Lega Nazionale Hockey/Serie A1, actualmente o único campeonato de Hóquei em Patins profissional (do qual fazem parte 14 equipas) e também o mais antigo do Mundo, estando esta época na 88ª edição. Iniciou-se em 1922 e apenas em 1943 e 1944 não se realizou. O Hockey Novara é a equipa que mais títulos conquistou (32), seguido do Triestina com 19. Todo este trabalho não só de marketing e de organização mas também de tentativa de melhoria da qualidade do hóquei praticado tem-se reflectido bastante na adesão dos espectadores aos pavilhões que são a base do sucesso do campeonato italiano. Na época 2007/2008 o número de adeptos em jogos da Serie A1 aumentou em 33% relativamente à época transacta, sendo que nesta época 2012/2013 a média de adeptos por jogo à passagem da sétima jornada é de 575, menos 100 comparativamente com a época 2009/2010 e menos 35 em relação a 2008/2009, à passagem da mesma ronda. Mas nem tudo são rosas no panorama do hóquei italiano. Nas épocas de 2006/2007 e de 2008/2009 existiram alguns problemas com as claques – parte integrante do espectáculo do hóquei italiano – que causaram alguns problemas nos pavilhões, obrigando inclusive a que até há bem pouco tempo algumas claques fossem impedidas de visitar determinados pavilhões onde a rivalidade com a equipa da casa seria grande. Esta época a FIHP decidiu voltar a permitir a entrada da claque visitante nos jogos de maior rivalidade, tendo começado com sucesso no Valdagno – Lodi da primeira mão da Supertaça italiana.

Pino Marzella perante a claque do Amatori Lodi

 

O ESCÂNDALO ARACU

 

                Em 2008 estalou um caso no hóquei italiano que ainda rola. Sabatino Aracu, presidente da FIHP há 20 anos, foi acusado há quatro anos atrás de utilizar indevidamente quer dinheiro quer outros utensílios (telemóveis e carros) da FIHP através de cartas anónimas entregues à justiça italiana. No início do ano de 2012 foi acusado pelo Procurador-Geral do Tribunal de Contas de Lazio (Roma), Raffaele De Dominicis de ‘’má gestão’’ da FIHP, devido ao ‘’uso anormal de bens federais, excesso de despesas de representação, uso sem preconceito dos cartões de crédito federais, entre outras acções penosas’’. Viagens, jantares, estadias em hotéis, compra de jóias, entre muitos outros movimentos que no final foram contabilizados em 380 mil euros de prejuízo para o CONI (Comité Olímpico Italiano), para a FIHP e até para a FIRS (também presidida por Aracu), tudo por conta de Sabatino Aracu, de Emilio Gasbarrone, secretário-geral da FIHP e de Laura Morandi, também ela secretária-geral da FIHP e mulher de Aracu. Contudo, apesar do relatório de Raffaele De Dominicis, o CONI não avançou para a suspensão de Aracu, alegando o seu presidente Gianni Petrucci – também ele acusado publicamente de ter colaborado com Aracu - ‘’falta de provas’’ para acusar Aracu de qualquer acção indisciplinar. Sabatino Aracu, membro do Partido de Silvio Berlusconi, Popolo Della Libertà, sempre negou qualquer tipo de utilização de dinheiros públicos para fins privados, candidatando-se a mais um mandato de quatro na FIHP e sendo reeleito a 25 de Novembro de 2012 depois de ter sido o único candidato a ir a eleições. Esta eleição causou revolta por parte de alguns membros de Associações da FIHP que não querem permitir que Aracu continue em funções, afirmando recorrer da decisão do CONI no Tribunal de Contas e na Procuradoria-Geral da República italiana ou até formar uma nova Liga/Federação.

 

 

Sabatino Aracu, presidente da FIHP

 

                Assim se encontra o hóquei italiano, recheado de contraposições entre aquilo que é o sucesso interno marcado pelo elevado investimento, a visibilidade, a organização e a evolução da modalidade e aquilo que tem sido o insucesso ao nível internacional, quer pelas selecções quer pelos clubes, mas marcado também pelas ligações pouco esclarecidas com a justiça.