Hóquei espanhol (12/08/12)

 

Espanha no Mundial 2011 em San Juan

 

                A maior potência do hóquei Mundial na actualidade. Entre europeus e mundiais de seniores masculinos, a Espanha já não conhece o sabor da derrota desde 3 de Outubro de 2003, onde saiu derrotada pela Itália em Oliveira de Azeméis, nas meias-finais do Mundial. Seis títulos europeus consecutivos (2000 a 2010), quatro títulos mundiais consecutivos (2005 a 2011), feitos ultrapassados apenas por Inglaterra (12 europeus consecutivos entre 1926 e 1939) e igualados somente por Portugal (quatro mundiais consecutivos entre 1947 e 1950 e entre 1956 e 1962). Em suma, neste novo milénio apenas o Mundial realizado em Oliveira de Azeméis não sorriu à Espanha, entre mundiais e europeus. Mas também no que diz respeito às competições europeias de clubes a Espanha domina. À excepção da vitória do Follonica italiano em 2006, a conquista da Liga dos Campeões europeus – prova mais importante ao nível de clubes na Europa – já não foge a clubes espanhóis desde 1991. Como se não chegasse, a Espanha é o país no Mundo que conta actualmente com mais clubes de Hóquei em Patins (cerca de 220 clubes), assim como praticantes (cerca de 20.000). Os números falam por si e, por estes dias, é a Espanha a grande dominadora do panorama mundial da modalidade, sendo que o futuro também aparenta ser promissor, consumados que estão três títulos mundiais consecutivos de sub-20 entre 2007 e 2011. Mas se durante décadas a Espanha superiorizou-se ao nível de clubes mas equiparou-se a outros países ao nível de selecções, o que mudou no início do milénio para que a Espanha se tenha tornado, desde 2000, praticamente invencível não só em competições internacionais de clubes mas também de selecções?

Selecção espanhola sub-20

 

                O sucesso divide-se em dois conceitos; organização e inovação, dentro e fora de ringue. Começando pelo hóquei propriamente dito, o início da década de ’90 foi marcante para os espanhóis, dada a alteração de conceptualização no que diz respeito à forma de trabalhar dos treinadores e consequentemente dos hoquistas, principalmente na sua formação. Esta transformação teve como protagonistas o seleccionador espanhol sénior da altura, Carles Trullols, e Josep ‘’Catxo’’ Ordeig, seleccionador do escalão de juvenis da época. A ideia dos treinadores de formação catalães consiste no seguinte: aperfeiçoamento dos movimentos do hoquista (patinagem, drible de bola, entre outros, no caso dos jogadores de campo, e movimentação e colocação no caso do guarda-redes, posição esta de grande interesse por parte dos treinadores catalães) e alear a táctica à técnica, destacando-se as transições do ataque para a defesa e vice-versa e igualmente o sistema defensivo. O segredo consiste em colocar todos estes processos nos hoquistas desde os seus primórdios na modalidade, para que no futuro tudo esteja o mais mecanizado possível. Destacando-se a dedicação e a organização com que se tratava a inovação, os clubes (catalães) optaram então por períodos de longa duração (o mesmo treinador durante vários anos com a mesma geração) e de ligação (homogeneidade nos processos, independentemente do escalão) entre todos os treinadores que englobavam os projectos de formação. Este processo que na altura era bastante inovador deu nos resultados já acima referidos, mas não só, também permitiu que qualquer equipa a militar no campeonato espanhol consiga bater o pé aos primeiros classificados, tornando o campeonato bastante competitivo, mas permite igualmente que, por exemplo, a equipa vencedora do campeonato português em 2012 contrate um jogador espanhol que militava numa formação que ficou em 11º lugar no campeonato espanhol. O contrário não acontece. Desta forma, o trabalho efectuado durante a década de ’90 em Espanha começou a dar resultados também ao nível de selecções, fazendo desta selecção um osso duríssimo de roer para os adversários e sendo actualmente praticamente invencível. Josep ‘’Catxo’’ Ordeig foi seleccionador nacional de juvenis entre 1990 e 1993, voltando ao mesmo cargo entre 1997 e 2000, sendo também seleccionador de juniores nesta mesma altura. Entre 2000 e 2005 assumiu o comando da formação sénior espanhola, vencendo todos os mundiais e europeus, à excepção do Mundial 2003. Entre 2005 e 2009 foi seleccionador nacional de juvenis e juniores, estando actual como Director Técnico Nacional e treinador adjunto de Carlos Feriche na selecção sénior. Carlos Feriche iniciou a sua carreira como treinador nas camadas jovens do FC Barcelona, entrando nas selecções jovens espanholas em 2001. Desde 2004 que é seleccionador nacional espanhol em seniores masculinos, não tendo ainda perdido qualquer europeu ou mundial. Desde 2001 até hoje, apenas estes dois homens dirigem os destinos das selecções masculinas espanholas. Entre 1990 e 2011, das 48 competições europeias e mundiais juvenis e juniores em que a Espanha participou, perdeu uma para a Argentina, três para a Itália e 14 para Portugal. Venceu 30. Surgiram gerações atrás de gerações, desde Ramón Benito, Alberto Borregán e Iván Tibau (os únicos que transitaram do Mundial 1999 para o Mundial 2001) à grande base desta geração de ouro, liderada por Pedro Gil, Guillém Trabal (estes dois fazem parte dos únicos sete jogadores de sempre com mais de quatro campeonatos do Mundo conquistados), Miquel Masoliver e Lluís Teixidó, sendo depois completada ao longo dos anos por Mia Ordeig, Titi Roca, Jordi Bargalló, Marc Gual, Sergi Panadero, até à última fornada sénior composta por Sergi Fernández, Jordi Adroher, Romà Bancells e Marc Torra. Em 2011, a selecção espanhola alcançou Portugal no número de títulos mundiais de seniores masculinos (15), estando a cinco da mesma nação, no que diz respeito aos europeus seniores masculinos (15 contra 20 conquistados por Portugal). Poder-se-á dizer que, tal como Portugal na década de ‘90, a Espanha atravessa agora a sua década dourada, contudo, os resultados dos escalões mais jovens não correspondem a esta posição, mas antes a uma continuação de hegemonia espanhola na década que agora atravessamos e que ainda não viu qualquer vitória argentina, italiana ou portuguesa, seja nos mais velhos seja nos mais novos, à excepção da vitória portuguesa no europeu 2010, no escalão júnior.

Catxo Ordeig

                Quanto ao trabalho realizado fora de ringue - apesar do factor económico não acompanhar - não tem sido pior. Actualmente, é transmitido um jogo por semana da OK Liga (campeonato principal) para todo o Mundo através da FEP TV (internet), mas também para toda a Catalunha através da TV3 (televisão). Quanto ao sitio oficial da FEP, para além das habituais informações das selecções, resultados, classificações, etc. também estão presentes as fichas de jogo de todos os encontros da OK Liga, Primera División e OK Liga Feminina, todas elas pormenorizadas, com os acontecimentos essenciais de cada encontro e devidamente cronometrados, algo absolutamente avançado em relação às restantes Federações do Mundo do hóquei patinado. Neste espaço de muita e boa informação, também são postos à prova os conhecimentos dos visitantes, com perguntas triviais sobre a modalidade e respectivas regras de jogo. A FEP, através da colaboração dos clubes, tem promovido os campus de Hóquei em Patins, onde os mais jovens podem aprender e conviver com atletas e treinadores de outras equipas, promovendo a modalidade. Contudo, o trabalho realizado pelos espanhóis no que concerne à evolução do Hóquei em Patins não se fica por aqui. A Federação Catalã de Patinagem promove alguns acordos com várias Federações africanas e sul-americanas, como forma de promover e evoluir o hóquei nestas regiões. Até hoje, Argentina, Angola, Equador, Brasil, Moçambique e Colômbia já beneficiaram ou beneficiam destes acordos que permitem às respectivas selecções a cedência de treinadores catalães, marcações de estágios destes combinados nacionais na Catalunha, tal como a autorização para que jogadores oriundos destes países possam estagiar em clubes catalães. O factor financeiro parece ser mesmo o único handicap do hóquei espanhol. Actualmente e à imagem de Portugal, os espanhóis contam com uma primeira divisão semi-profissional, onde apenas os clubes de primeira linha estão ''profissionalizados''. Já na Primera División (segunda divisão espanhola) a falta de verbas tem afectado bem mais, a ponto da FEP contar apenas com 12 equipas para este campeonato (menos quatro que no ano passado), que é disputado por equipas de todas as regiões de Espanha, obrigando-as a comportar grandes conteúdos financeiros ao nível das deslocações.

          

Carlos Feriche e Pedro Gil

 

       De facto, apontar o sucesso do Hóquei em Patins espanhol a um país por inteiro, não reflecte a veracidade do que tem acontecido em Espanha. Das 16 formações que irão alinhar na OK Liga na próxima época, 15 são catalãs (com as regiões de Aragão e Comunidade Valenciana incluídas), tendo sido entregues 36 títulos a formações da Catalunha, de entre as 42 edições da OK Liga. Das 47 edições da Liga Europeia de Clubes, 37 foram conquistadas por equipas catalãs, sendo o HC Liceo da Corunha é o único clube espanhol não-catalão que já conquistou títulos europeus ou da OK Liga. O último jogador não-catalão a actuar na selecção principal espanhola em mundiais foi Alejandro Avecilla em 1995 e Toni Sánchez em europeus (2000), sendo que dos cerca de 20.000 praticantes espanhóis, 15.000 são catalães. Esta diferença abismal que o Hóquei comporta entre a Catalunha e o resto de Espanha (onde apenas a Galiza e as Astúrias conseguem fazer alguma frente, ainda que bem longe da realidade catalã) trouxe divergências políticas que no início deste milénio estiveram no seu auge. As intenções independentistas que sempre fizeram parte das diversas organizações que compõem a sociedade catalã nunca viram a sua força crescer tanto como no Hóquei em Patins.

       

Catalunha no Mundial B '04, Macau

 

         No dia 27 de Março de 2004 a Federação Catalã de Patinagem (FCP) foi reconhecida oficialmente pela FIRS como federação independente, tendo assim constituído uma selecção que participou no Mundial B de seniores masculinos neste mesmo ano, saindo da competição como selecção vencedora e com direito a participar no Mundial A em 2005, nos Estados Unidos (San Jose). Contudo, a selecção catalã acabou por não participar neste Mundial A, devido a pressões do Estado espanhol que conseguiu fazer com que a FIRS impedisse a Catalunha de participar no Mundial de 2005. Após o Mundial, a FCP recorreu desta decisão ao Tribunal Arbitral do Desporto, ganhando o caso. A assembleia da FIRS que impediu a Catalunha de participar no Mundial A teve de ser repetida, sendo a independência da FCP posta de novo à prova, através da votação. Desta vez, e ainda que por muito pouco, os votos não chegaram para que a FCP se tornasse independente da FEP. No entanto, a FCP é hoje uma Federação considerada independente na América do Sul, onde participa desde 2006 em todas as competições promovidas pela Confederação Sul Americana de Patinagem (CSP), sendo uma opção muito criticada nos restantes meios de poder não-catalães. Questionado sobre a possível independência da FCP, Josep ‘’Catxo’’ Ordeig, um dos grandes obreiros das fornadas mais recentes de jogadores da roja, respondeu negativamente aos intentos independentistas catalães, afirmando que ‘’como região de Espanha deverá pertencer à FEP’’.

Espanha no Mundial 2009 em Vigo