Hóquei argentino (20/07/12)
A constituição hoquística argentina revela-se desequilibrada do ponto de vista geográfico, sendo hoje, mais que nunca, um verdadeiro problema para o futuro da modalidade nas pampas. Num país com quatro títulos mundiais, poucos imaginariam de que 11 dos 12 atletas argentinos com mais presenças em campeonatos do Mundo são naturais da mesma região, o que significa que existe uma discrepância entre territórios, no que concerne à importância dos mesmos no hóquei argentino. A região de Cuyo (noroeste argentino), dividida em duas grandes províncias, Mendoza e San Juan, possui actualmente 80% dos patinadores do país (cerca de 6.000 patinadores na Argentina), sendo que os únicos cinco campeonatos do Mundo realizados em solo argentino tiveram lugar em San Juan, todos, no Estádio Coberto Aldo Cantoni. Dos cerca de 60 clubes argentinos, dois terços pertencem à região de Cuyo, sendo que dos 18 campeonatos nacionais argentinos disputados até hoje, só equipas sanjuaninas o venceram. Os dados referidos demonstram com clareza todo o poder desta região no hóquei argentino, hóquei esse que no capítulo económico representa 65% das receitas da CAP, angariadas nas inscrições de atletas, organização de eventos, afiliações, apoios estatais e principalmente na venda de hoquistas argentinos para a Europa e em patrocinadores das selecções.
Nos dois últimos aspectos, a região de Cuyo continua a dominar, visto que dos cerca de 30 argentinos a actuar nos principais campeonatos de Portugal, Espanha e Itália, não existe um único que não seja natural de Cuyo. Só no ano de 2011 foram transferidos 18 atletas de Cuyo para a Europa (cada um com o ganho vareado entre 400 a 1.000 euros por parte da CAP e da respectiva Federação Provincial), somando cerca de 10.000 euros (cerca de 55.000 pesos argentinos), divididos pela CAP e pela Federação Provincial onde o atleta foi formado. Desta forma, 50% dos louros pagos por cada atleta pertencerão à CAP e outros 50% à Federação Provincial, neste caso as federações de San Juan e Mendoza, únicas exportadoras de atletas. Já nas inscrições de atletas por parte dos clubes, 70% das receitas revertem para as Federações e 30% para a CAP. Quanto aos patrocinadores, apoiam uma selecção que nos últimos 13 anos só conheceu sanjuaninos ou mendocinos. Uma panóplia de aspectos que recentemente deu origem a um dos mais duros conflitos entre a Federación Sanjuanina de Patín (FSP), a Asociación Mendocina de Patinaje (AMP) e a CAP e que originou o desmembramento da FSP e da AMP da CAP, no passado mês de Maio.
O caso estalou após o Mundial 2011 de séniores masculinos realizado em San Juan, altura em que a FSP alegou publicamente que a CAP não havia direccionado a totalidade dos apoios recebidos para a realização da prova. Aproveitando-se da desavença provocada pelo Mundial, a FSP promove em conjunto com a AMP uma nova proposta para a alteração de percentagens na venda de hoquistas para o estrangeiro, assim como uma alteração do voto das Federações, passando este a ser mais federalista e menos centralista, sendo que o poder de voto de cada Federação não seria o mesmo, dando um valor maior ou menor às associações de acordo com o número de federados. A nomeação dos Comités Técnicos Nacionais de Hóquei em Patins também passaria a ter um parecer das Federações. Com o surgimento desta proposta, a Federação Porteña (da Província de Buenos Aires) ripostou, com o apoio das restantes Federações, concordando com o aumento do federalismo mas com um modo de votação igualitário, ou seja, cada Federação teria o mesmo peso na votação, independentemente do número de patinadores que albergasse.
No dia 10 de Janeiro de 2012 é lançado um comunicado pela CAP, onde constavam as garantias de que as taxas de inscrição de atletas não iriam aumentar e que o valor dos passes de atletas transferidos para o estrangeiro seria distribuído da mesma forma (50%/50%) e que os Comités Técnicos Regionais de Hóquei em Patins passariam a ser eleitos pelas Federações. Quanto ao voto nas assembleias, passaria a ser mais federalista, tal como todas as federações desejavam, mas em voto igualitário, tal como a FSP e a AMP não queriam. Dois dias depois Guillermo Velasco (presidente da FSP) e Juan Carlos Ildarraz (presidente da AMP) reúnem-se com os dirigentes dos clubes sanjuaninos e mendocinos para dar conhecimento dos prós e dos contras de uma possível separação com a CAP, acabando os clubes por votar a favor da ruptura, no que concerne à modalidade de hóquei em patins, sendo que as restantes modalidades que fazem parte da AMP e da FSP seriam anexadas à CAP com a formação de uma nova associação em cada província e que acabou por ser criada, por sinal, no dia seguinte (ASP e AMP). A ASP é presidida pelo eterno rival de Guillermo Velasco (FSP), Ricardo Sarmiento, presidente do Concepción PC e antigo presidente da FSP, dando o seu lugar precisamente a Velasco que desde então tem impedido (aconteceu por duas vezes) Sarmiento de participar nas assembleias da FSP, deixando o próprio de as frequentar. No dia 13 Janeiro a FIRS, a CIRH e a Confederación Sudamericana de Patinaje (CSP) lançam um comunicado em que consta a CAP como único meio confederativo reconhecível internacionalmente na Argentina.
Várias questões surgiram prontamente nos meios de comunicação de San Juan; serão as contas mal feitas do Mundial razão para uma separação deste calibre? Por que será que só o Hóquei em Patins é que não poderá pertencer à CAP? Já que as outras modalidades – que representam 30% da FSP - irão afiliar-se à CAP. Outras questões relacionadas com a organização também completaram uma ideia de que só o dinheiro interessa e só aquilo que dá dinheiro importa a estas duas Federações. Por que razão não existiu um concurso de preços para os gastos do Mundial? Por que havia sido nomeado Felipe Pérez para a tesouraria mas era Adolfo Harica que assinava os comunicados? Por que é que os números de espectadores presentes no Estádio Coberto Aldo Cantoni foram claramente falsos, visto que davam uma média de 2.000 espectadores por dia, sendo que todos os dias o Estádio encheu (cerca de 7.000 a 8.000 espectadores)? Por que é que do patrocínio dado pela NATIVA (cerca de 200.000 pesos/36.000 euros) às competições sanjuaninas, só cerca de 90.000 pesos/16.000 euros foram entregues aos clubes? Numa entrevista de Daniel Ventura (membro da CAP, Patinagem Artística) à Radio Patinando, o dirigente afirmou ainda que os intentos estabelecidos na proposta da FSP continham a passagem do Comité Nacional de Hóquei em Patins para San Juan, incluindo também a secretaria e a tesouraria sob alçada sanjuanina, algo que a CAP não pode aceitar, segundo este dirigente, que fez referência a outra situação estranha que decorreu em San Juan, onde alguns dirigentes de clubes lhe falaram num custo de 300 pesos/55 euros por atleta, quando na realidade a CAP cobra 100 pesos/18 euros por cada atleta de Hóquei em Patins, anualmente. Daniel Ventura assegurou ainda que todas as contas da CAP foram aprovadas em Assembleia onde estiveram Mendoza e San Juan.
No dia 1 de Março de 2012 a CAP envia nova proposta de afiliação e planeamento – com poucas alterações à proposta anterior - à FSP e à AMP, contudo, no final do mês os clubes fizeram idênticas exigências à FSP e à AMP e a separação estava consumada. No dia 10 de Maio a FSP e a AMP oficializaram a separação, criou-se uma Federação Argentina de Hóquei em Patins (FAHP) com a inclusão de todos os clubes sanjuaninos e mendocinos, estando a Federação aberta a qualquer inscrição de clubes fora da região de Cuyo. Um dia depois a CAP volta a pedir às duas associações que repensem a decisão que, no entanto, até hoje não deu qualquer volta.
Guillermo Velasco, presidente da FSP |
CONSEQUÊNCIAS
Desde já, as primeiras consequências desta separação. As formações de Cuyo não poderão participar em qualquer competição da CAP ou de outro órgão internacional. O principal desencontro poderá acontecer nos jogadores que poderão ser imensamente prejudicados, a começar pela possível impossibilidade de representarem a selecção argentina, tal como aconteceu há dois meses, em que um seleccionado de jogadores argentinos iria deslocar-se a Angola para uma série de encontros particulares, onde não constava qualquer sanjuanino ou mendocino. A FAHP, criada no mês de Maio, cria assim as suas próprias competições, estando completamente à parte das restantes competições nacionais promovidas pela CAP. No dia 7 de Junho de 2012 os jogadores sanjunaninos criaram uma associação de jogadores, ligada à FSP, de modo a poder colaborar na evolução do hóquei sanjuanino. Entre outros, estão à frente desta associação nomes como Mariano Velázquez, Pablo Martín, Sebas Molina, Óscar ‘’Chupa’’ Oviedo ou Maxi Salinas.
Em entrevista à Radio Patinando, Ricardo Trivisono, presidente da Federação Porteña e membro do Comité Nacional de Hóquei em Patins da CAP, lamenta a decisão das Federações de Cuyo, visto que o hóquei nacional só terá a perder. Trivisono explicou a questão do voto igualitário, defendendo-o para que as zonas argentinas menos evoluídas possam ter a oportunidade de progredir, queixando-se ainda do facto de todos os mundiais dados pela CIRH à CAP terem sido realizados em San Juan, sem que as restantes federações tivessem sequer a possibilidade de colaborar, dado que nunca surgiu um convite por parte da FSP para o efeito.
Pablo Martín da Associação de Jogadores |
Um pau de dois bicos. O hóquei argentino está numa fase de reflexão existencial. Ou se ajudam os necessitados a progredir ou se dão os louros a quem já é evoluído. Uma luta que poderá permanecer eterna, dado que o conflito de interesses é grande. Uma coisa é certa, quem fica a perder é o país que irá receber o Mundial de Velocidade em 2014, o Mundial de Patinagem Artística em 2015, sendo também uma possibilidade o Mundial Sub-20 de 2015 e o Mundial Feminino de 2016.
Finalizamos com as palavras de Daniel Ventura: ‘’esta realidade terá duas possibilidades extremas para Cuyo: ou é um grande sucesso ou um tremendo fracasso’’. Uma FSP que por exemplo altera, sem que nada o leve a fazer, o horário de uma jornada de campeonato sénior sanjuanino no próprio dia em que se realizam os jogos, estando adeptos, comunicação social e polícia nos ringues, sem a presença de árbitros e jogadores.