ESTRANHA FORMA DE VIDA - CAPÍTULO 2

21-10-2014 05:33

CAPÍTULO 2 – QUANDO OS OUTROS TE BATEM, BEIJO-TE EU

INÍCIO DO MILÉNIO, FIM DA FESTA

Os primeiros anos do século XXI correm de feição ao hóquei português. No plano desportivo, o campeonato nacional distancia-se das provas domésticas italiana e espanhola, contando com uma larga percentagem de atletas do mais alto gabarito internacional. A título de exemplo, encontram-se em Portugal na época 2001/2002 os campeões do Mundo, Pedro Gil, Miquel Masoliver e Lluís Teixidó, todos no Infante Sagres; os irmãos Bertolucci e o ex-internacional espanhol, Miguel Sánchez, no Óquei de Barcelos; os irmãos Velázquez no Benfica; Alberto Orlandi no FC Porto, somando ainda todo um leque habitual de atletas nacionais da mais alta categoria internacional. A RTP continuava a transmitir as grandes competições internacionais e nacionais, de clubes e selecções, sendo que as rádios Antena 1 e TSF também acompanhavam, em directo, as partidas mais importantes da temporada. Os jornais, seguindo o apanágio, dedicavam um número interessante de páginas à modalidade que mais títulos internacionais colectivos deu a Portugal. Contudo, o copo que se encontrava cheio começou a transbordar. Em 2003/2004 o Benfica ameaça acabar com a modalidade no clube e, no mesmo ano, a RTP faz a sua última temporada de transmissões televisivas regulares do campeonato nacional. Segue-se uma época de transmissões efectuadas pela Sport TV que marcará a despedida temporária das competições nacionais nas televisões, de forma regular. A RTP continuará a transmitir ininterruptamente as competições internacionais de clubes e selecções, cobrindo também a algumas partidas da primeira edição dos playoff em 2006/2007 e 2007/2008.

O hóquei entrava num ritmo lento para a sua morte, em termos mediáticos. Os dois principais meios que acompanharam a modalidade praticamente desde o seu início estavam a dedicar cada vez menos espaço. As rádios nacionais já não transmitiam jogos desde 2003, cabendo às emissoras e imprensa regionais a tarefa de manter o hóquei em patins vivo. Quanto à televisão descaracterizou por completo a pontualidade das décadas anteriores, transmitindo esporadicamente. Enquanto isso, por terras insulares, alguém ia descobrindo as potencialidades das novas plataformas de comunicação.

A QUEDA DE UNS E A EXPANSÃO DE OUTROS
Com a crise mediática, os amantes da modalidade começaram a procurar alternativas para manter a chama viva, mais que não fosse entre aqueles que dela gostam profundamente. E foi a internet que serviu de refúgio, por três razões. Primeira; o crescimento deste meio tecnológico, chegando cada vez a mais e em melhor condições. Segunda; o conhecimento informático que alguns dos amantes da modalidade possuíam. Terceiro; paixão pela modalidade e necessidade de reagir às adversidades, não virando a cara à luta. É neste contexto que, por um lado, os meios de comunicação oficiais e tradicionais se vão esvanecendo ao mesmo tempo que os sítios da internet independentes, não oficiais ou remunerados, crescem.

Entre 2005 e 2009 existem três grandes polos cibernéticos no hóquei nacional, estando dois deles numa fase primária. O primeiro é o rinkhockey.net, antigo Rink Hockey Data, de Fernando Castro. Manteve todas as funcionalidades, compreendidas nos seguintes termos: base de dados de jogos, competições e elementos ligados ao encontro, ou seja, treinadores e jogadores. Depois, o cumhoquei.com de Pedro Jorge Cabral, um sítio que foi crescendo dia após dia em termos de informação concedida, até pela capacidade de programação do seu administrador. “Fazia muitos programas para computador naquela altura. Tinha muita prática e isso ajudou-me muito na administração do sítio. Sou um perfeccionista por defeito então gosto de fazer o melhor que posso naquilo em que me insiro. E foi inspirado nestas ideias que fui melhorando o ‘software’ com que trabalhava, ainda que de início tenha sido complicado, pois trabalhava em folhas excel, passando depois toda a formatação, ordenação e ‘copy paste’ da informação para o sítio. À medida que as pessoas iam ouvindo falar do meu sítio comecei a ter mais dificuldades em cumprir com o estabelecido porque não conseguia colocar todos os resultados em tão pouco tempo, então saía sempre da frente do computador a altas horas da manhã”, realça Pedro Jorge.


Ainda assim, o esforço ia recompensando de dia para dia e os resultados abrangiam cada vez mais pessoas ligadas à modalidade. “Comecei a perceber que tinha muitos colaboradores e que podia abranger os campeonatos nacionais todos, apenas com o marcador. No entanto, quem me enviava os resultados começou a endereçar também os marcadores e muitas vezes enquanto os jogos ainda decorriam. Foi daí que surgiu a ideia de acompanhar os jogos em directo – que só mais tarde entraria em prática – e de colocar os marcadores dos golos e os minutos dos mesmos”, conta o açoriano, ao que José Carlos Costa acrescenta: “comecei a ajudá-lo com cada vez mais frequência em 2005/2006, quando ele decidiu colocar as séries de todos os campeonatos sénior. Lembro-me de uma situação caricata. O Pedro Jorge ainda era treinador da União Micaelense, então jogava aos sábados como grande parte das equipas sénior. Nessa altura já eu começava a dar-lhe os resultados de todas as equipas. Um dia ligou-me a dizer para parar de lhe enviar os resultados naquela altura porque estava no jogo e o telemóvel não parava de tocar. E é aí que eu começo a utilizar o ‘66’ para lhe enviar directamente para o voice mail os resultados, em mensagem de voz. O Pedro Jorge quando chegou a casa e ouviu ficou encantado”, recorda José Carlos Costa.

O próprio Pedro Jorge também ia incentivando os restantes colaboradores a enviarem a informação o mais completa possível, acabando por se generalizar o padrão informativo que o sítio ainda hoje oferece. Daqui surgiu a génese daquilo que hoje é o hoqueipatins.pt que, a partir daqui, continuou a progredir, aumentando os colaboradores, os campeonatos abrangidos e a informação disponibilizada, sendo também mais as visualizações do sítio, não havendo hoje, em Portugal, quem goste de hóquei em patins e não conheça o sítio administrado por Pedro Jorge Cabral, com as ajudas de Mário Duarte, Brunim e Ricardo Paulino.

Se em termos de informação de resultados a obra começava a ser realizada, faltavam as notícias. E é no seguimento desta necessidade que surge um outro projecto que acaba por marcar o hóquei nacional a partir de 2006: o hoqueipt, mais tarde Mundo do Hóquei e mais conhecido por Mundook. A ideia seria fazer o melhor sítio do Mundo de hóquei em patins, escrito em língua portuguesa mas com notícias à escala mundial. “A equipa era formada pela Marina Alves, Paulo “Mariotti” e Pedro Alexandre Santos, que já tinham um blogue criado em 2005, com o mesmo nome. Tínhamos algumas referências na altura, como o sítio do Coral de Fânzeres onde o Sr. Moisés Rodrigues colocava todos os resultados dos campeonatos regionais da AP Porto ou aquele que já era a maior referência nacional ao nível de sítios, o cumhoquei.com do Pedro Jorge Cabral. No entanto, eram sítios que não continham notícias. Nesses termos, conhecia o solohockey.net do Javier González em Espanha e outros sítios internacionais. Em termos de bases de jogadores tínhamos o Hóqueislb do Pedro Alexandre Santos que fazia parte da nossa equipa, sendo também uma boa referência para nós. No entanto, queríamos mesmo fazer o melhor sítio do Mundo, não sendo fácil na altura se tivermos em conta que o Facebook era praticamente inexistente”, explica Nélson Alves, mais tarde co-fundador do Mundook ou Mundo do Hóquei.

Assim começou o hoqueipt, sítio informativo e que preencheu muitas as horas a todos os que visualizavam, não somente pelas notícias mas pelo ‘chat’, um meio de comunicação muito utilizado pelos visitantes da altura para discutir, informar e muitas vezes insultar. Era um meio que criava nas pessoas uma dose de curiosidade tremenda pelo facto de, muitas vezes, não serem utilizados os nomes correctos, mas alcunhas ou nomes de conveniência, o que significa que qualquer um poderia publicar o que quisesse, dando um poder aos ‘anónimos’ nunca antes visto na modalidade. O ‘chat’ era por isso motivo de conversa nos pavilhões, entre dirigentes, treinadores, jogadores e adeptos, na tentativa de descobrir ‘quem disse o quê?’, porque inclusive treinadores e jogadores de renome internacional comentavam muitas vezes no ‘chat’ algumas verdades ou falsidades, tal era a importância daquele meio no hóquei nacional.


A mudança de hoqueipt para Mundo do Hóquei mudou também as regras do jogo, sendo estas mais apertadas para os comentários às notícias. Esta mudança acabou por transferir, ainda que em menor dimensão, parte das atenções para o ‘chat’ do cumhoquei.com. “Era utilizado para discutir e funcionava de forma totalmente livre. Tive inclusive problemas com a Federação em 2007 e em 2008/2009 foi aberto um processo que avisava os sítios com ‘chat’ para terem cuidado quanto aos conteúdos comentados. Foi do ‘chat’ que surgiu o castigo que me foi aplicado por me ter indignado quanto ao facto das equipas açorianas não poderem participar na primeira fase dos campeonatos nacionais jovens”, realça Pedro Jorge que em 2012 colocou um ‘login’ no espaço reservado aos comentários e que no próximo capítulo irei abordar.

Do lado do hoqueipt, um ano depois da sua fundação, a equipa manteve-se mas toda a apresentação do sítio alterou-se – inclusive o nome que passou a ser Mundo do Hóquei -, com um grafismo completamente diferente, mais inovador. Nélson Alves recorda que, em termos programáticos, os tempos nunca foram fáceis. “De início construiu-se um sítio muito rudimentar, em formato HTML, muito difícil de actualizar, pois era demasiado primitivo. Com muita dificuldade, conseguimos pôr o sítio ‘online’ a 6 de Outubro de 2006. Mesmo com alguns problemas, começaram-se a criar laços de amizade e de confiança com jogadores e jogadoras, treinadores, árbitros e dirigentes de todo o país. Em 2008, já como Mundo do Hóquei, passámos para uma versão PHP, que nos facilitou muito a tarefa de actualizar as bases de dados de jogadores, resultados, notícias, etc”.

À partida para 2008, assim estava o panorama cibernético da modalidade, acrescentando-se o sítio de José Carlos Costa, criado por Pedro Jorge Cabral. “O Pedro estragou-me com mimos. Fez-me o sítio para provar às pessoas de que um invisual também consegue trabalhar. Chamou ao meu sítio “sempre a abrir” depois de lhe ter dito que comigo era sempre a abrir, numa das muitas noites em que ligava para lhe dar resultados”.

Porventura influenciados pelo poder que deu o ‘anonimato’ do ‘chat’ do hoqueipt, mas também pela própria funcionalidade do sítio, começaram a surgir outros bloguers, destacando-se o blogue Cartão Azul pela inovação de ser de cariz unicamente regional, administrado por Francisco Gavancho. Tal como Nélson Alves, tampouco sabe andar de patins, apesar de ter crescido a ver hóquei em patins, ao contrário do antigo administrador do Mundo do Hóquei, apaixonado pela modalidade desde o Campeonato do Mundo de 2003, realizado em Oliveira de Azeméis. Natural do Alentejo mas radicado desde os 27 dias de idade no Entroncamento, Francisco Gavancho teve a ideia de criar o blogue devido à longevidade de Portugal que, por vezes, a sua profissão de Sargento Chefe da Armada obriga. “Em 2006 estive numa operação durante seis meses na Fragata Vasco da Gama. A minha fome de informação relativamente ao hóquei era parcialmente saciada quando, nas horas vagas, acedia a alguns blogues de hóquei que já existiam. O Miguel Serra, antigo director da UF Entroncamento, tinha um. E havia outros de outras zonas do país, como acontece agora. Foi depois disso que arranquei com o Cartão Azul. Inicialmente tive a ajuda de quem já estava na internet. Do Pedro Jorge Cabral, de Ponta Delgada, por exemplo, que é, para mim, o maior divulgador da modalidade a nível nacional, ou do Nélson Alves, de Avanca (Aveiro) que também tinha um sítio”, recorda.



O crescimento de sítios e blogues era notório, contudo, se a compensação de um trabalho que deveria ser feito pelos ‘media’ desportivos e pela Federação estava a ser colmatado, faltava preencher outro espaço que, a olhos vistos, estava destinado, também ele, a ser entregue à paixão do ‘anonimato’: as transmissões dos jogos.