ESTRANHA FORMA DE VIDA - CAPÍTULO 1

18-10-2014 17:52

Caros amantes do Hóquei em Patins,

O texto que vos apresento é, em primeiro lugar, uma sentida homenagem que faço a todas as pessoas que trabalham ou trabalharam diariamente para levar o hóquei a sítios que, de outra forma, jamais seriam pisados pela modalidade. Apenas não direi seus nomes porque estão enumerados, um a um, nos quatro capítulos que vos apresento, e dentro dos quais poderão ler, também, os seus depoimentos.

Como dizia John Kennedy, “devemos encontrar tempo para parar e agradecer às pessoas que fazem diferença nas nossas vidas”. É o que pretendo, sabendo de antemão que correr por gosto não os cansa e que as nossas forças crescem na paixão que temos pela modalidade e não nas palavras de agradecimento, pois se assim fosse, nada do que vivemos hoje em termos de ‘media’ de hóquei em patins existiria.

Em segundo lugar, penso ser pertinente fazer saber aos mais novos e lembrar os mais velhos de que tudo aquilo que hoje temos, feito por mera paixão, não apareceu de um dia para o outro. Levou tempo e deverá ser estimado pelas gerações futuras, pelo que seria bom entenderem a construção do ‘castelo de cartas’ para que não o deixem cair, aí sim, de um dia para o outro.

É isso que vos tenciono transmitir em quatro capítulos. Espero que gostem e, antes de começarem, convido-vos a reflectirem uns segundos, em silêncio, sobre a grandeza de João Campelo e António Livramento.

Obrigado.

Cumprimentos a todos,
P. M. Caldas


Capítulo 1 – POR TEU LIVRE PENSAMENTO

‘Lá vai com a bola Livramento, leva a bola na ponta do seu aléu, passa para Fernando Adrião, este volta a dar para Livramento, remata forte…golooo!’

- Relato de Nuno Brás na Emissora Nacional em 1964, no Campeonato do Mundo de Barcelona

Mesmo que o Estado Novo o fizesse crer, não foi por vontade de Deus mas sim pelo livre pensamento. O hóquei em patins surge em Portugal por mão dos ingleses, no início do século XX, organizando-se as primeiras equipas e instituições oficiais a partir dos anos ’30, como a própria fundação da Federação Portuguesa de Patinagem o indica (1933). O primeiro Campeonato do Mundo foi realizado em 1936 e na década seguinte surge o início do acompanhamento da comunicação social às grandes competições internacionais, onde a selecção nacional se apresentava sempre a grande nível. A primeira grande vitória portuguesa surge em 1947, com a conquista do primeiro Campeonato do Mundo. Portugal não era só Fátima, Fado e Futebol. Também era hóquei em patins. Por esta altura eram os jornais e rádios que levavam aos milhões de fãs da modalidade, muitos sem sequer ter visto qualquer jogo de hóquei e que, contudo, afirmam: “os relatos – nomeadamente de Artur Agostinho – imprimiam uma emoção tal que era como se tratasse de um sonho de desporto, ou seja, que não se via mas de que se gostava, e a isso muito ajudavam as vitórias frequentes de Portugal”, frisa José Guedes, amante da modalidade.

De facto, o hóquei era um desporto praticado nas metrópoles. Fora delas, as pessoas escutavam os encontros pela rádio e, para os que sabiam ler, dispunham também de toda a informação necessária nos jornais desportivos. A partir da década de ’70, a frequência dos relatos aumenta. “Lembro-me de encostar o meu rádio ao contador da electricidade para ouvir os relatos de hóquei em patins, feitos por José Barroso nos Emissores do Norte Reunidos”, recorda José Carlos Costa, na altura o moleque que apontava todos os plantéis de hóquei em patins em pequenas folhas. Escrevia em braille pois é invisual, mas fez parte daqueles que abriram os olhos para uma estranha forma de vida, muitos anos depois de Orlando Dias Agudo ter iniciado os relatos do campeonato nacional, no Rádio Clube Português, corria o ano de 1972.

Em 1976/1977, já com a RTP a transmitir os jogos mais importantes da modalidade, a Rádio Comercial inicia um mega acompanhamento do principal campeonato de hóquei português. Uma prova dividida em duas zonas e jogada às sextas e segundas, com dois a quatro relatos por semana. Em 1982/1983 a RTP inicia as transmissões do campeonato nacional da 1ª divisão, colocando pela primeira vez os três grandes meios de comunicação social unidos perante uma modalidade rainha e senhora por terras lusas, a seguir ao futebol. Naquela sociedade, jogador de hóquei tinha a mesma importância de um jogador de futebol. Pelas aldeias, onde as televisões escasseavam, as populações juntavam-se na casa das famílias de maior posse económica para ver a selecção nacional jogar, enquanto os pavilhões enchiam horas antes de o jogo ter início.

O APARECIMENTO DA INTERNET NO HÓQUEI EM PATINS
Na década seguinte, alguém sabe o que fazer à internet. Apaixonado pela informática desde que o pai lhe havia oferecido um computador quando tinha 20 anos, utilizava-o para registar as classificações das corridas de carros que tinham lugar numa pista desenhada pelo próprio. Mais a sério, ouvia na rádio as provas de automobilismo até que, na sua Ilha de São Miguel, pega no computador e coloca-se ao lado de Tony Aguiar Machado, responsável pelas classificações oficiais dos ralis realizados nos Açores. Enquanto uns escreviam à máquina, já ele contava com um programa no seu computador que dava, de imediato, todos os tempos de cada carro. No final da primeira especial, apresentou os resultados bem mais cedo que os oficiais. E batiam certo. “À terceira especial o Tony Aguiar Machado perguntou-me se podia ver e verificou que, de facto, batia certo. Duas especiais depois já era eu o responsável”, conta o agora crescido Pedro Jorge Cabral, por estes dias tão conhecido em Portugal como o próprio hóquei.

Colaborou com várias modalidades nos conteúdos informativos, mas foi o hóquei que havia praticado que lhe levaria a essa estranha forma de vida, em 1991. “Construí o sítio da União Micaelense. A direcção não me apoiou mas também não se opôs, colocando-me à vontade. Treinava miúdos nesse clube e achei interessante colocar a informação interna no sítio, até porque os pequenos atletas achavam engraçado verem as suas fotos na internet, por exemplo. Assim, publicava os plantéis do hóquei em patins referentes à União Micaelense, as idades e os nossos resultados. Tinha uma folha excel com os resultados e classificação referentes às nossas séries”, lembra o ex-hoquista açoriano. O objectivo de participar nos campeonatos nacionais jovens foi cumprido em 1992, sendo que no ano seguinte, Pedro Jorge começa a reparar que os clubes onde vai actuar contam com os resultados e a tabela classificativa originários do seu sítio da internet. “A Federação apenas colocava à quinta-feira. Como tinha os contactos de todos os dirigentes da nossa série, obtinha os resultados mais cedo e colocava-os bem mais depressa que a FPP. Um dia ligou-me o José Carlos Costa, na altura colaborador da RadImprensa Agência Noticiosa, a perguntar-me pelo resultado da União Micaelense que, à data, disputava a terceira divisão nacional. Foi a partir daqui que surgiu a nossa ligação, até que lhe comecei a perguntar os resultados da série do Micaelense e comecei a ter na ideia publicar mais resultados referentes a outros clubes”, explica.


Estamos no ano de 1996. 15 anos antes, José Carlos Costa, lisboeta, havia iniciado a sua ligação à rádio Comercial para dar a conhecer aos ouvintes o resultado do jogo das competições europeias entre os espanhóis do Cibeles e os italianos do Pordenone. “Foi o primeiro resultado que dei em rádio. Era um jogo que interessava ao Sporting, daí o interesse da estação em dar a conhecer o desfecho final do encontro. Senti, a partir daí, um imenso sentido de dívida para com o hóquei em patins, dado que foi a modalidade que me permitiu realizar um sonho de criança: fazer rádio”, salienta. Continuou a informar, não só ao nível nacional, mas também internacional, participando a partir de 1987 num programa dedicado à modalidade denominado de ‘Stick4’, na Rádio 4 de Barcelona, valendo-lhe uma homenagem por parte da Rádio Nacional de Espanha, dois anos mais tarde, e servindo de trampolim para começar a colaborar com o jornal catalão Mundo Deportivo. Actualmente, colabora com a Sesimbra FM e com a Granada FM, de Vendas Novas, onde continua a dar a conhecer os resultados da modalidade.

Um mar a separá-los. José Carlos Costa tinha os resultados, Pedro Jorge Cabral, o sítio. Por esta altura, ambos trocavam informações sobre resultados, aumentando a relação com a ida do açoriano para a Associação de Patinagem de Ponta Delgada, onde fez, pela primeira vez, a cobertura de um campeonato onde a União Micaelense não participava. “Quando entrei na APPD tinha ‘carta branca’ do Presidente Gonçalo Botelho para remodelar o site da Associação. Era uma pessoa muito dinâmica e com vontade de atribuir responsabilidades aos restantes elementos da direcção. Eu era jovem na altura, tinha a mania das tecnologias e da informação e pensei cobrir as competições açorianas mas também as actividades das equipas açorianas nos campeonatos nacionais. Assim, criei o sítio appd-online.com onde colocava os resultados da série do Santa Clara, no primeiro ano, juntamente com as séries da União Micaelense, Lusitânia e Candelária nos anos subsequentes, não fazendo sentido, na altura, alargar a outros clubes dado que era um sítio informativo sobre os clubes e as actividades de patinagem dos Açores. Quando saí da APPD achei que deveria continuar a fazer o trabalho que já tinha começado na appd-online.com, e assim se o fiz no já existente cumhoquei.com”, explica Pedro Jorge. Continuou o trabalho, fazendo a cobertura nos mesmos moldes que fazia pela APPD, acrescentando também os resultados da primeira divisão nacional – sempre com um grande apoio de José Carlos Costa na obtenção de resultados.

O PANORAMA CIBERNÉTICO NACIONAL
 

Por esta altura, em meados da década de ’90, contavam-se pelos dedos das mãos os sítios de internet que tratavam de hóquei em patins em Portugal. O magazine5.info era o principal sítio e de cariz mais oficial, apoiado pela Federação Portuguesa de Patinagem – na altura sem sítio oficial -, onde se colocavam os resultados das competições nacionais e algumas notícias sobre a modalidade. Existia também o Infordesporto que, apesar de não ser apenas sobre hóquei, falava bastante sobre o assunto; o sítio da AP Minho e o Rink Hockey Data, os dois últimos fundados por Fernando Castro, também ele um pioneiro no que diz respeito à expansão do hóquei em patins na internet. “Criei o Rink Hockey Data em Maio de 1998. O sítio tinha por missão divulgar resultados das diversas competições à escala mundial e apresentar ficheiros históricos das principais provas. Apesar de ser um sítio de concepção portuguesa, optei por criá-lo em língua inglesa, dando o carácter universal que lhe pretendia desde logo incutir”, diz o fundador. Logo em 1998, o sítio começou a divulgar igualmente o ranking mundial de clubes, ainda que de forma não oficial. “Pretendia estabelecer uma classificação com bases nos resultados desportivos ocorridos num determinado período, normalmente semestral”, explica Fernando Castro, responsável pela primeira cobertura independente de uma grande competição em termos de sítios cibernéticos, ainda que não ‘in loco’. Foi em 2000, em Chattam, Inglaterra, no Campeonato do Mundo “B”. Com ele, colaborava também uma das pessoas mais importantes do hóquei em patins da década seguinte, ao nível cibernético. Tem o nome de Nélson Alves, cujo trabalho darei a conhecer adiante.